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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Merenda a bordo - Por José Aldemir*


Dizem que o maior sonho do ser humano é voar. Talvez por isso nenhum mortal que tenha a possibilidade moderna de voar é indiferente ao avião. E se for um privilegiado que cruza o céu do Brasil nestes tempos de agora tem muitas estórias para contar. Tudo começa e termina nos aeroportos, espaços de passagem entre o realidade e fantasia. Problemas há e muitos, mas você se defende, afinal está com chão nos pés. Só que, entre os aeroportos há o avião propriamente dito. Aí, o problema e mais embaixo, ou mais em cima, pois quando você entra naquela máquina pesadíssima que parece contrariar as leis física e voa, se crê em Deus, reze.

Conforto para os que como eu só vão na econômica porque não há mais inferior é palavra proibida. Dentre muitos problemas o espaço entre as cadeiras, é o não espaço, pois cada vez mais restrito deve ser inimigo número um dos joelhos. As poltronas desconhecem os verbos inclinar e reclinar.

Finalmente sentamo-nos confortavelmente na poltrona com o joelho forçando a da frente e sentindo na bunda os joelhos do passageiro de trás a forçá-la. O comandante avisa: “tribulação preparar para a decolagem”, e eu fico me perguntando, e os passageiros não precisam se preparar?

O avião decola. É anunciado o serviço de bordo. Foi-se o tempo em que eram oferecidas refeições a bordo, aliás nem lanche, até as detestáveis barrinhas de cereais, já eram. Se a empresa que você voar for a “Bola Fora” agora o lanche, com perdão da mal palavra, é comprado. As aeromoças e moços foram literalmente transformados em garçonetes das alturas. O cardápio deve deixar os nutrólogos de cabelo em pé. São oferecidos snacks: batatas chips, torrada temperada, bolinho recheado, cookies; beverages: refrigerantes, água saborizada; acompanha sandwiches e para esquentar um copo da instant soup. Pagamento só em dinheiro vivo desde que não necessite de troco . Para não ser injusto a água, um copinho, é grátis.

Os apresados dirão, só reclama disso caboclo que mal sai de Manaus e que não viaja para o exterior, visto que cobrar o serviço de bordo é tendência mundial. Sim é verdade que isso é uma estratégia de negócios das companhias aéreas sendo amplamente utilizado pelas empresas americanas e europeias, porém na chamada low-fare na tradução direta baixa tarifa, o que não é o caso por aqui cuja tarifa está cada vez mais cara.

Como caboclo do beiradão que sou, não tenho saudades da Varig que fornecia lanche e se o voo fosse longo até almoço a bordo. Caso o passageiro tivesse alguma restrição apontava no check-in e era atendido. E com certeza não foi por isso que a empresa faliu. Eu tenho saudade mesmo é da merenda a bordo do motor Barão do Solimões que faz a linha entre as comunidades rurais e as cidades no médio Solimões. Na hora da merenda cada passageiro tira de suas marmitas improvisadas peixe frito acompanhado de farinha, macaxeira, cará, batata doce, banana e farofa de ovo. Cada um vai colocando ali mesmo no convés onde é preparada a mesa e a comida é partilhada. Numa dessas viagens fui convidado e meio sem jeito tirei da mochila, bolachas e algumas barras de cereais que restavam e coloquei na roda. A criançada vendo as barras de cereais foram logo atacando, pois imaginavam ser chocolates. Em seguida observei que sussurravam as mães e lhes entregavam as barras. Uma senhora que havia embarcado no mesmo local que eu, após o reclamo da criança resolveu provar, para em seguida dizer: “professor isso que o senhor nos deu parece quebra queixo, mas nem pra quebrar queixo serve, como se chama isso”? Barra de cereal, disse, ou que ela completou, “tem gosto de palha”. Como sobremesa é servido café passado na hora com bolacha de motor que é oferecido pelo dono da embarcação, outra delícia.

A viagem do motor chega ao fim, mas será difícil esquecê-la pelas delícias e simplicidades das comidas partilhadas. A viagem no avião da “Bola Fora” também vai chegando ao fim e trago comigo a revista de bordo e em casa leio que a empresa está com um agressivo plano de negócios para tirar a companhia do vermelho e será lançará brevemente outro plano e que para isso mandaram um alto executivo fazer treinamento nas rodoviárias brasileiras.

O serviço de higiene será cobrado. Vai funcionar assim: a aeromoça na porta do toilette e cada passageiro que utilizar os serviços pagará uma taxa de R$5,00 para fazer xixi, R$ 8,00 para coco trazendo papel higiênico e R$10,00 se não trouxer papel higiênico. Leio a notícia em voz alta e sem querer solto uma exclamação: é caro. O seu Gilsão zelador daqui do condomínio que ouvia toda a conversa ao meu lado e que nunca viajou avião, responde: “não é caro não, quem manda querer obrar nas alturas”.

Fazia tempo que não ouvia a palavra obrar, cujo significado todos sabem.

José Aldemir é Geógrafo e Professor da Ufam.

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