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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Os 30 anos de Agentes de Pastoral Negros

 Por Ribamar Araújo*

Como ninguém, ainda, encontrou o antídoto da “juventude eterna”, eu que tive uma infância doentia e cansei de ouvir aquela célebre afirmação que me perseguia “magro assim, esse menino não se cria!”; tive na minha infância uma falta de apetite que me fez tomar todos os remédios que os médicos e a sabedoria popular ensinavam para abrir o apetite: de “periatim” a “gemada de ovo”.

Num tempo em que não se falava em ‘bullling’, todos ‘buliam’ comigo e colecionei todos os apelidos que um magro podia ter; agora que os remédios estão fazendo efeito, tenho que moderar o apetite para vencer os perigos da “Hiperdia” que rondam o meu viver, e poder envelhecer com qualidade - e viver mais 47 anos.

De todas as formas, o bom de envelhecer é ver florescer algo que é fruto do trabalho coletivo, de uma semeadura que você ajudou a plantar, irrigar, sonhos que se tornaram realidade...

Neste ano de 2013, celebraremos três grandes marcos históricos que, na linha do tempo, somam 30, os APN’s 20, a Ação da Cidadania e 10 anos de recriação do Consea, que valem lembrar, três movimentos que, articulados, ajudam a conquistar a efetividade do mais elementar dos direitos, o direito humano de se alimentar...

Celebraremos em marcha, subindo a serra da barriga rumo a República de Palmares em Alagoas - em memória de Zumbi- de 1º a 4 de maio próximos, os 30 anos dos Agentes de Pastoral Negros – APNs, fundado no ano de 1983, no seio do movimento negro e no esteio dos movimentos libertários da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.

Desde sempre denunciava um apartheid social no Brasil, e solidário aos movimentos internacionais de luta contra o apartheid na África do Sul, e as investidas neocolonizadoras na África e na América Negra, lutava pela emancipação do povo negro, o resgate das dívidas históricas, inseria-se na luta pela terra, no debate em defesa das quotas raciais, e no seio das igrejas promovia uma teologia e liturgia da inculturação: “Vamos enegrecer a igreja!”, era a palavra de ordem, superando a sua tendência eurocêntrica, e para além dos ditames canônicos eclesiásticos, um verdadeiro, autêntico e profícuo diálogo religioso com as religiões afros.

Como um dos limites do nosso apartheid social, tão bem diagnosticado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, era a exclusão do acesso ao alimento - ou seja, o Mapa da Fome denunciava que grande parte dos que produziam alimentos tinham sua atividade produtiva vinculada à produção de alimentos -, era lógico supor que a luta dos APNs convergisse para a luta da efetivação do Direito Humano à Alimentação, como resgate da dívida histórica com aqueles que figuravam e continuam figurando como os mais vulneráveis à insegurança alimentar - “o povo negro”.

Era comum se falar que “a fome tem nome, tem cor, tem raça e tem endereço”, pois quanto mais nos aproximamos das populações afrodescendentes, piores são os indicadores de insegurança alimentar. A chamada nutricional quilombola vem reafirmar que esse quadro persiste, o diagnóstico é atual, pois “40% dos quilombos vivem em insegurança alimentar, enquanto na população em geral este índice é de apena 5%”.

Foi assim que, sendo um dos fundadores dos APNs, vice-presidente na segunda gestão, reencontrei com alegria na primeira gestão do Consea que participei 2004-2007, a presença da Ana Maria Sales Placidino, também fundadora, e Ana Lúcia Pereira, conselheira e assim como seu sucessor, Edgard Aparecido de Moura, dignos coordenadores da Comissão Permanente de Povos e Comunidades Tradicionais, e o nosso atual coordenador Nacional dos APNs e gestor da Fundação Palmares em São Paulo, Nuno Coelho, sempre atento na luta pelo Direito Humano à Alimentação Adequada. Por isso, agradecidos, devemos dizer: “A luta continua! Valeu, APNs, 30 anos já se foram e outros 30 virão”.

* Ribamar Araújo, conselheiro do Consea, é licenciado em Filosofia e especialista em Economia Solidária e membro fundador da Ação da Cidadania no Maranhão.

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