domingo, 30 de março de 2014

50 anos do golpe: Dilma não vai aceitar celebrações militares


Após 50 anos, o golpe militar de 31 de março de 1964 é uma lembrança a cada dia mais tênue na memória nacional, mas também uma história sem ponto final que ainda hoje contamina com rancor e ódio o ambiente político. O conflito é particularmente visível na relação do atual governo com as Forças Armadas, sobretudo com militares da reserva, e na Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011 para investigar e esclarecer o que ocorreu com 153 militantes de esquerda desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985).

Antecipando-se a eventuais celebrações, o governo tomou providências para evitar uma nova crise com o meio militar, como se deu em 2012 e 2013 por ocasião do aniversário de 31 de março. Por orientação da presidente Dilma Rousseff, uma ex-combatente da luta armada contra o regime dos generais, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chamou os comandantes militares e passou o recado: o governo não vai tolerar manifestações do pessoal da ativa. As punições podem ir da simples advertência à prisão e exclusão das Forças Armadas.

Amorim recebeu a garantia dos chefes militares de que não haverá nada de iniciativa do pessoal da ativa. A rigor, desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o 31 de março foi banido do calendário de comemorações militares, o que nem sempre impediu um ou outro oficial de levantar a voz para fazer a apologia da “Redentora” – o apelido da “Revolução de 31 de março de 1964”, como se referiam ao golpe os militares e civis que apoiaram a deposição do ex-presidente João Belchior Marques Goulart (1961-1964). Atualmente, os bolsões que combatem o governo do PT falam em “contrarrevolução”.

O Palácio do Planalto também autorizou “conversas do alto escalão” das Forças Armadas com o pessoal da reserva reunido em torno dos clubes militares. O mais importante deles é o do Exército, chamado de Clube Militar – a Casa da República. Há um “entendimento” para que a “Casa” evite se manifestar. Realisticamente, no entanto, na avaliação do Ministério da Defesa o simbolismo da data – os 50 anos – é muito forte: o pessoal da ativa e até o Clube Militar, eventualmente, podem ser mantidos sob rédea curta. Mas dificilmente o grupo mais radical – ligado aos porões da repressão – deixará de celebrar o 31 de março.

No que se refere ao pessoal da ativa, o governo aplicará as punições previstas nos regulamentos das Forças Armadas. Em relação aos grupos mais radicais da reserva, especialmente aqueles ligados ao esquema de repressão do regime, o governo avalia que não tem muito o que fazer. A decisão de punir dependerá do tom da comemoração. Afinal, a mesma Constituição contra a qual se puseram os militares da linha-dura lhes garante hoje o direito de expressão.

O que o Palácio do Planalto não pretende deixar passar é a quebra da hierarquia, como ocorreu em 2012, ano em que foi instalada a Comissão da Verdade. O Ministério da Defesa tem pareceres jurídicos segundo os quais os comandantes têm poderes para punir também o pessoal da reserva.

Os vários grupos que convocaram a reedição da Marcha da Família com Deus, em Defesa da Liberdade – movimento civil que foi uma espécie de escalão precursor do golpe de 1964 – devem receber o mesmo tratamento dado aos manifestantes que vêm ocupando as ruas do país desde junho. Algumas dessas convocações, porém, têm um componente explosivo: estão marcadas para sair da porta dos quartéis.

A presidente Dilma Rousseff estava do lado que perdeu em 1964. Integrante de grupos armados de combate ao regime, foi presa e torturada nos porões da ditadura. Em seu discurso de posse na Presidência, fez um gesto de conciliação: “Não carrego, hoje, nenhum ressentimento nem nenhuma espécie de rancor”, disse. “A minha geração veio para a política em busca da liberdade, num tempo de escuridão e medo.”

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