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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Planapo, um plano à altura - Por Selvino Heck*


“Vou compartilhar uma percepção. Essa política traz em si uma intenção muito forte de fazer a tão sonhada revolução, não com armas, mas no sentido de retomar rumos. Nós estamos pintando essa política. Aqui temos muitas cores, umas mais vermelhas, outras mais clarinhas. Nossa vantagem é nossa diversidade. Essa política traz uma possibilidade de recivilizar. Aí me perguntam: Zumbi, mas um Plano tem esse poder? Sim, recivilizar com base na criatividade do nosso povo brasileiro. A política de agroecologia e produção orgânica traz uma forma de melhorar não só nossa casa, mas restaurar o que é ser camponês. E revigorar um tipo de economia, a economia solidária com base em uma relação mais harmoniosa. O controle social sobre a Política e o Plano estabelece modos que se opõem às formas autoritárias de se impor. Por isso, são importantes práticas de participação que empoderem a população. O Plano abre uma janela para uma política diferente. A Política abre brechas para que a população participe e dê outro rumo. A Política está desafiada a fazer isso: uma relação harmoniosa com os bens e sua distribuição.”

Com estas sábias e fortes palavras, Elson Borges dos Santos, conhecido por todos e todas como Zumbi, abriu os debates sobre o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), em reunião da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), dias 11 e 12 de abril no Palácio do Planalto, Brasília. 

O Planapo, encaminhado a partir da Política de Agroecologia e Produção Orgânica lançada pela presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2012, chega no momento certo. Diz o Diagnóstico do Plano: “No âmbito mundial houve uma resposta a demandas de segmentos da produção primária e do setor urbano por sistemas produtivos sustentáveis e produtos saudáveis, fazendo com que o valor da produção orgânica comercializada passasse de 20 para 60 bilhões de dólares e a área plantada se expandisse de 15 para mais de 35 milhões de hectares.”

A mesma coisa acontece no Brasil. “O interesse na saúde do homem e do meio ambiente e a busca de maior cooperação no sistema produtivo têm levado a um crescimento sistemático na demanda e na oferta de produtos orgânicos e de base agroecológica. O Censo Agropecuário de 2006 identificou aproximadamente 90 mil estabelecimentos agropecuários que se autodeclararam produtores de orgânicos, representando aproximadamente 1,5 milhão de hectares e 1,8% do total investigado pela pesquisa. Ainda considerando-se a produção orgânica, em outubro de 2012 existiam 5.920 orgânicos cadastrados junto ao Ministério da Agricultura e 11.063 unidades de produção controladas”.

É preciso melhorar e qualificar as informações. Mas sem dúvida a agroecologia e a produção orgânica “têm assumido importância no quadro de uma nova visão de mundo e, em particular, do sistema produtivo primário do país, integrando um expressivo conjunto de questões estratégicas transversais traduzidas nas diretrizes deste Plano. Encontramo-nos no desafio de contribuir para a provisão de alimentos e fibras para a população a partir de sistemas produtivos que internalizem relações produtivas e comerciais mais solidárias e de valorização do ser humano, que não tenham como resultado colateral a oferta de alimentos com resíduos de contaminantes, que resistam à concentração e oligopolização do sistema alimentar e garantam o funcionamento dos serviços ecossistêmicos. Estudos recentes têm mostrado que a produção orgânica e de base agroecológica pode trazer importante contribuição neste caminho desafiante, principalmente no que se refere à produção de base familiar.”

O Planapo, com 4 eixos – produção, uso e conservação de recursos naturais, conhecimento, comercialização e consumo -, traduzidos em objetivos, estratégias, 14 metas e dezenas de iniciativas, propõe uma série de macrodesafios: ampliar o número de produtores envolvidos; incentivar o registro, produção e distribuição de insumos adequados; fomentar a conservação, o manejo e uso sustentável dos recursos naturais; contribuir para a organização de produtores em cooperativas e redes solidárias, com ampliação das compras e subvenções e o número de pontos de venda de produtos; ampliar a utilização de crédito e outras formas de financiamento e fomento para o custeio e implantação de infraestruturas produtivas e comerciais; ampliar a inclusão e incentivo à abordagem da agroecologia e de sistemas de produção orgânicos diferentes nos níveis e modalidades de educação e ensino no contexto das práticas de movimentos sociais, do mundo do trabalho e manifestações culturais; democ ratizar a formação da agenda de pesquisa e integ
rar pesquisa e extensão de modo a socializar o conhecimento gerado para técnicos e produtores; estimular a agroindustrialização; levar informações ao consumidor e universalizar o acesso e o consumo de produtos orgânicos e de base agroecológica.

Um importante passo está sendo dado. Disse Maria Verônica de Santana, do Movimento das Mulheres Trabalhadoras do Nordeste: “Quero falar da importância desse plano paras as mulheres. A gente quer ter uma mudança no padrão presente, que tem a mulher como papel auxiliar, e isso está presente na agricultura e no governo. É preciso reconhecer o papel da mulher como sujeito de direito e sujeito protagonista da agroecologia e da produção.” A afirmação vale também para os jovens rurais, presentes no Planapo.

E a fala de Denis Monteiro, em nome da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA): “Gostaria de saudar a oportunidade de construção coletiva do Planapo, com grupos de trabalho onde governo e sociedade puderam sentar junto e formular em conjunto, num exercício importante de construção da Política com participação social efetiva. A proposta de Plano que está hoje em nossa mesa, embora ainda com insuficiências, é mais abrangente, mais consistente e contempla diversas demandas por nós apresentadas”.

Valter Bianchini, Secretário Executivo da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica e Secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, resumiu o sentimento de todas e todos, membros da CNAPO, governo e sociedade, depois de meses de trabalho: “Gostaria de parabenizar a todos os grupos da Câmara Interministerial, a ajuda da sociedade civil, da CNAPO, integrada nos grupos. A gente está chegando a um documento quase histórico, que procura agregar um conjunto grande de ministérios, governo, organizações da sociedade civil. Espero que a gente possa construir um Plano, uma política integrada com uma série de instrumentos para fortalecer a agricultura agroecológica e a produção orgânica”.

Um Plano à altura do tempo. Faltam apenas os arremates finais e o lançamento com toda pompa.

*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.

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