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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Final feliz para avó e neto numa tragédia escrita pela última ditadura militar argentina.


Tocante a história de Estela de Carlotto, fundadora e presidente da Avós da Praça de Maio, de Buenos Aires, que só ontem localizou Guido, depois de 36 anos de procura por este neto, raptado pelos militares da repressão logo após sua filha, Laura Carlotto, dar a luz num cárcere da última ditadura argentina (1976-83). Guido foi registrado como Inácio Hurban, numa troca de nome promovida pelos algozes de Laura e pelos que o adotaram.

“Tenho certeza que Laura, minha filha assassinada (na prisão), está a sorrir no céu”, afirmou Estela. Laura resistia e combatia a ditadura militar como integrante da organização Montoneros. Foi presa aos 23 anos e se casou, na prisão, com Walmir Oscar Montoya, pai de Guido. Em junho de 1978, Laura deu a luz na prisão clandestina de La Cacha e teve seu filho raptado, poucas horas após o nascimento.

O bebê foi entregue a uma família adotiva em Olavarría. Dois meses depois, Laura foi assassinada e seu corpo entregue a Estela. “Ela sabia que eu jamais me esqueceria do que lhe fizeram, e que nunca desistiria de perseguir os seus carrascos. Estará agora mesmo a dizer ‘Mamã, ganhaste uma grande batalha’. Mas este premio não é só meu”, afirmou Estela lembrando a organização que fundou e à qual ainda pertence e a todos que, nestes quase 40 anos buscam seus familiares sequestrados pela repressão da ditadura argentina.

Só quero abraçá-lo

Nestes 7 anos da última ditadura militar Argentina, que deixou 30 mil mortos e desaparecidos, cerca de 500 crianças foram separadas de suas famílias e desapareceram. Guido Carlotto é o 111° encontrado pelas Avós que já localizaram 113 filhos nascidos em cativeiro. Restam pelo menos 400 “processos” de bebês e crianças desaparecidas.

O reencontro entre Guido e Estela foi possível graças a um exame de DNA feito pelo músico Inácio Hurban que desconfiou de sua identidade e entrou em contato com as Avós. “Quando o vir creio que nem vou dizer nada. Só o quero abraçar. Sei que será como sempre sonhamos”, anima-se Estela.

“Cristina (Kirchenr a presidenta argentina) me ligou, me perguntou se era verdade. Eu lhe disse que sim e aí choramos juntas”, contou a avó Estela. “Agora já tenho meus 14 netos comigo. Não queria morrer sem abraçá-lo (Guido)”, confessou Estela. .

Secretario de Direitos Humanos de Buenos Aires, Kivo Carloto, tio de Guido, externou a emoção da família: “O resultado é positivo. Encontramos o meu sobrinho depois de 35 anos. Ele se apresentou voluntariamente, submeteu-se a um exame de DNA e deu 99,9% de compatibilidade. É uma emoção enorme”.

A saga de Estela

Hoje com 83 anos, Estela de Carlotto, professora, começou sua luta com as manifestações na Praça de Maio, ainda durante o regime militar na Argentina. Em 1978, ano em que sua filha foi assassinada ela assumiu a vice-presidência da organização Avós da Praça de Maio. A partir daí dedicou a vida a ajudar outras famílias a recuperar as crianças nascidas nos cativeiros da repressão argentina e pressionando por medidas que facilitassem as buscas.

Em 1987, com a fundação Banco Nacional de Dados Genéticos, deixou registrado seu mapa genético, como as demais avós de Praça de Maio, o que permitiu, agora, que seu neto a reencontrasse. Em 1998, a Argentina aprovou a lei de Criação do Fundo de Reparação Histórica voltado a localização e restituição de crianças roubadas. Um ano depois, Estela recebia em nome das pela entidade Avós da Plaza de Mayo, o Prêmio de Direitos Humanos da República Francesa.

Os prêmios e títulos se sucederam e se somam na sua trajetória – Prêmio dos Direitos Humanos da ONU (2003), doutora honoris causa pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) (2005) – mas, todos sabemos, o verdadeiro prêmio de toda sua luta será o abraço que a aguarda nos próximos dias. “Aqui comigo tenho muitas avós que estão há muitos anos à procura dos seus netos. Não falamos em ódio nem queremos vingança; falamos em justiça e verdade e queremos que estas histórias nunca mais se repitam”, destacou Estela.

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