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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Comitê Paulista Pela Memória, Verdade e Justiça apresenta recomendações ao Relatório Final da CNV


Como todos sabem, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) está ingressando na fase final dos seus trabalhos – o marco para encerramento de suas atividades será o mês de maio de 2014, salvo alguma eventual prorrogação que lhe venha a ser concedida por nova lei (cujo eventual projeto ainda não foi encaminhado ao Congresso Nacional). Por isso, a CNV designou recentemente um de seus membros, o jurista Pedro Dallari, como responsável por coordenar a redação do Relatório Final dos trabalhos da CNV.

Possivelmente, o capítulo politicamente mais importante do Relatório Final da CNV venha a ser o seu último capítulo, concernente às “Recomendações ao Estado Brasileiro”, voltadas a prevenir e evitar a repetição das graves violações aos Direitos Humanos cometidas entre 18/09/1946 e 05/10/1988. Esse capítulo final do Relatório deverá conter – segundo todos esperamos – Recomendações peremptórias e práticas ao Estado brasileiro, imprescindíveis para que se complete a cabal transição de nosso país à democracia.

Tendo em vista tais considerações, o Comitê Paulista Pela Memória, Verdade e Justiça – CPMVJ deliberou constituir, no início de novembro último, um Grupo de Trabalho integrado por juristas, jornalistas e antigos estudiosos da temática Memória, Verdade e Justiça – todos eles militantes políticos há décadas – com o propósito de formular propostas de Recomendações a serem apresentadas à CNV para integrar o último capítulo de seu Relatório Final.

SEGUEM-SE AS RECOMENDAÇÕES À CNV:

Em cumprimento ao disposto no artigo 3º, inciso VI, da Lei federal nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 (“...recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”), a Comissão Nacional da Verdade - CNV formula ao Estado brasileiro as recomendações que se seguem, com o propósito de que se complete a plena transição à democracia em nosso país.

1 – RECONHECIMENTO  E ACATO PELO ESTADO BRASILEIRO DE TODAS AS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL SOBRE CRIMES CONTRA A HUMANIDADE - Recomenda-se o efetivo cumprimento pelo Estado brasileiro da Resolução nº 3.074, de 1973, da Assembleia Geral da ONU, que assim dispõe: “os crimes de guerra e os crimes de lesa-humanidade, onde for ou qualquer que seja a data em que tenham sido cometidos, serão objeto de uma investigação, e as pessoas contra as quais existam provas de culpabilidade na execução de tais crimes serão procuradas, detidas, processadas e, em caso de serem consideradas culpadas, punidas”.

1.1 – No mesmo sentido, recomenda-se a ratificação, jamais efetuada pelo Estado brasileiro, da CONVENÇÃO SOBRE IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRIMES DE GUERRA E CRIMES CONTRA A HUMANIDADE,  adotada pela Resolução 2.391, de 26 de novembro de 1968, da ONU.

2 – EMPENHO PARA A ELIMINAÇÃO DA TORTURA E DE OUTRAS FORMAS DE TRATAMENTOS CRUÉIS E DEGRADANTES - Recomenda-se que o Estado brasileiro empenhe-se, por meio de políticas públicas, medidas legislativas, administrativas e campanhas de conscientização, para erradicar toda forma de violência imputável a seus agentes, notadamente a prática de tortura nas atividades policiais ou outras formas de tratamentos cruéis e degradantes, que se sabe sistêmicas.

2.1 – No mesmo sentido, recomenda-se que o Estado brasileiro crie mecanismos para dar eficácia, até o presente praticamente nula, à Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura e comina as respectivas sanções.

3 – ACATO ÀS SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - Recomenda-se que o Estado brasileiro, em acato aos compromissos que assumiu perante a comunidade internacional, dê cumprimento integral e rápido às sentenças concernentes ao Brasil exaradas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – à qual o nosso país submeteu-se por tratado internacional.

3.1 – Destaca-se a esse respeito, em especial, a sentença proferida pela CIDH no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010, em relação à qual o Estado brasileiro ainda não deu cumprimento integral aos seus PONTOS RESOLUTIVOS números 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 14, 15 e 16 (Cf. o ANEXO I das presentes Recomendações).

3.2 – Recomenda-se, portanto, em virtude dessas necessidades jurídicas, políticas e morais imperiosas, que o Estado brasileiro dê cumprimento integral e rápido a essas sentenças da CIDH.

4 – ADOÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DA LEI DE ANISTIA POLÍTICA QUE SEJA COMPATÍVEL COM A PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E COM A SENTENÇA DA CORTE INTERAMENRICANA DE DIREITOS HUMANOS - A jurisprudência unânime e pacífica produzida pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos já estabeleceu, de há muito, que delitos tais como sequestro, tortura, estupro, humilhação sexual, homicídio, desaparecimento forçado, ocultação de cadáver e genocídio físico ou cultural, dentre outros, quando ordenados, cometidos ou tolerados por agentes do Estado, com ou sem a conivência de civis, configuram graves violações dos Direitos Humanos e têm a natureza de crimes de lesa-Humanidade, razões pelas quais são inanistiáveis e imprescritíveis.

Ademais, na sentença que proferiu no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – à qual, enfatiza-se, nosso país submeteu-se por tratado internacional – reiterou o entendimento no sentido de que leis que tenham o propósito de anistiar graves violações dos Direitos Humanos carecem de efeitos jurídicos e são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Nos seus PONTOS RESOLUTIVOS números 3, 5 e 9, a indigitada sentença incluiu expressamente nessa condição de invalidade jurídica a Lei federal brasileira nº 6.683, de 1979 (Lei de anistia política).

Enquanto não acatar integralmente essa reiterada jurisprudência da CIDH, o Estado brasileiro mantém nosso país em situação de constrangimento perante a comunidade internacional. Destaca-se que, em pronunciamento público de 02 de dezembro de 2013, em Genebra, a própria senhora Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, doutora Navi Pillay, denunciou a lei brasileira de anistia política como um "obstáculo" para a Justiça e alertou que esse diploma precisa ser revisto. "A lei é um obstáculo para que a Justiça seja feita às famílias, insistiu. Na ONU, a lei é vista como um empecilho no tratamento de crimes como tortura” (Cf. a edição virtual do jornal O Estado de S. Paulo de 02/12/2013).

Não bastasse a jurisprudência decorrente do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a Constituição federal promulgada em 05 outubro de 1988 instaurou em nosso país o império da lei, o regime democrático e a dignidade da pessoa humana, como fundamentos e princípios fundadores da República. Em decorrência da primazia jurídico-política de tais enunciados constitucionais peremptórios, todas as normas jurídicas anteriores a 05 de outubro de 1988, que não tenham sido revogadas, devem ser reinterpretadas sob a luz do novo ordenamento constitucional, que é enfaticamente protetivo da dignidade da pessoa humana e dos Direitos Humanos a ela inerentes. Assim, aquelas normas jurídicas anteriores, no que guardarem de incompatibilidade com o espírito geral, com os princípios ou com as normas da nova Constituição, evidentemente não foram por ela recepcionadas. É o caso dos dispositivos da Lei federal nº 6.683/1979 que estenderam a anistia política a agentes criminosos do Estado, eis que aflora inequívoca incompatibilidade – jurídica, política e até moral – entre proteger a dignidade da pessoa humana e anistiar crimes de lesa-Humanidade.

4.1 – Tendo em mente tais considerações, recomenda-se fortemente que os Poderes Públicos da República brasileira, sem mais tardar, confiram à Lei federal nº 6.683, de 1979 (Lei de anistia política), uma interpretação harmônica com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com a jurisprudência internacional unânime dele decorrente, e com a própria Constituição brasileira de 1988, de modo a que crimes de lesa-Humanidade não mais prossigam a salvo de persecução judicial-penal em nosso país.

5 – REVOGAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL - Recomenda-se o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 2014, de projeto de lei de iniciativa da Presidência da República propondo a revogação da Lei federal nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional).

6 – IDENTIFICAÇÃO E SUPRESSÃO DA LEGISLAÇÃO ANTIDEMOCRÁTICA REMANESCENTE - Recomenda-se a constituição pela Presidência da República, em 2014, de um Grupo de Trabalho sob a chefia do senhor Ministro da Justiça, com a duração de 180 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, com a atribuição de promover a identificação de todas as leis, decretos e demais normas jurídicas ainda em vigor, anteriores à Constituição Federal de 1988, que sejam de conteúdo antidemocrático e, por isso, incompatíveis com a mesma Constituição.

6.1 – Recomenda-se também que, tão logo esse Grupo de Trabalho complete esse levantamento, o Estado brasileiro, mediante procedimentos apropriados a cada situação, providencie a supressão de tais normas antidemocráticas do ordenamento jurídico nacional.

6.2 – Recomenda-se, por fim, que esse Grupo de Trabalho conte com a participação de representantes dos seguintes setores, dentre outros:

a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Advocacia Geral da União;
c) Ministério Público Federal;
d) Senado Federal;
e) Câmara dos Deputados;
f) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
g) entidades que congreguem historiadores;
h) entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
i) entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal (entre 18/09/1946 e 05/10/1988), foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
j) entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado;
k) .............

7 – DEMOCRATIZAÇÃO DO CONTEÚDO CURRICULAR DAS ACADEMIAS MILITARES E POLICIAIS - Recomenda-se a constituição pela Presidência da República, em 2014, de um Grupo de Trabalho sob a chefia do senhor Ministro da Defesa, com a duração de 180 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, com a atribuição de promover a identificação de todos os conteúdos curriculares que exaltem a ruptura da ordem institucional democrática ou o desrespeito aos Direitos Humanos, seja no passado, no presente ou no futuro, conteúdos esses que ainda estejam sendo ministrados nas academias, escolas e demais centros de formação a seguir arrolados:
  • de Oficiais, Suboficiais e Praças das três Armas das Forças Armadas;  da Escola Superior de Guerra;
  • de Delegados de Polícia e demais Agentes da Polícia Federal; da Polícia Rodoviária Federal; 
  •  da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e demais serviços de informação federais, militares ou civis;
  •  de Oficiais, Suboficiais e Soldados das Polícias Militares estaduais;
  • de Delegados de Polícia e demais Agentes das Polícias Civis estaduais;
  • dos serviços de informação estaduais, militares ou civis;
  •  das Guardas Civis municipais.

7.1 – Recomenda-se também que, tão logo esse Grupo de Trabalho complete esse levantamento, o Estado brasileiro, por suas três esferas (federal, estadual e municipal), e no prazo de até um ano, adote os procedimentos apropriados a cada situação com vistas à supressão de tais conteúdos antidemocráticos dos currículos dessas academias, escolas e centros de formação, e a sua substituição por conteúdos que valorizem e infundam o respeito à democracia, à institucionalidade constitucional e aos Direitos Humanos, bem como exprobem a sua violação, seja no passado, no presente ou no futuro.

7.2 – Recomenda-se, por fim, que esse Grupo de Trabalho em questão conte com a participação de representantes dos seguintes setores, dentre outros:

a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
c) entidades que congreguem historiadores;
d) entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
e) entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
f) entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado;
g) ....

8 – PROMOÇÃO DOS VALORES DEMOCRÁTICOS NO ENSINO - Recomenda-se a constituição pela Presidência da República, em 2014, de um Grupo de Trabalho sob a chefia do senhor Ministro da Educação, com a duração de 180 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, com a atribuição de adotar as medidas e procedimentos apropriados para que, nos currículos oficiais das escolas públicas e privadas dos graus fundamental, médio e superior, sejam incluídos conteúdos, nas disciplina em que couberem, que valorizem e infundam o respeito à democracia, à institucionalidade constitucional e aos Direitos Humanos, bem como exprobem a sua violação, seja no passado, no presente ou no futuro.

8.1 – Recomenda-se, por fim, que esse Grupo de Trabalho conte com a participação de representantes dos seguintes setores, dentre outros:

a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Conselho Nacional de Educação
c) entidades que congreguem historiadores
d) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
e) entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
f) entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
g) entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado;
h) ................

9 – LOCALIZAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E ENTREGA AOS FAMILIARES, PARA SEPULTAMENTO DIGNO, DOS RESTOS MORTAIS DAS PESSOAS QUE FORAM ASSASSINADAS PELOS ÓRGÃOS DE REPRESSÃO POLÍTICA E CUJOS CORPOS FORAM OCULTADOS - O Estado brasileiro permanece em grave dívida – moral, jurídica e política – perante os familiares, amigos e conhecidos das pessoas que, no período referido no artigo 8º do ADCT da Constituição federal (entre 18/09/1946 e 05/10/1988), foram mortas ou sofreram desaparecimento forçado por motivos políticos, e cujos cadáveres prosseguem sob ocultamento criminoso – muitas vezes, há quase meio século.

Ademais, há situações em que ossadas descobertas há décadas permanecem sem a devida identificação e, não bastasse isso, continuam depositadas em condições não somente impróprias à sua preservação físico-químico-genética, como também vulneráveis a atentados direcionados à sua destruição. Não há outra palavra para qualificar essa situação deplorável, senão esta: descaso.

Essa dívida já antiga do estado brasileiro também agride a consciência democrática da nação e configura um não-acatamento, por omissão, às exigências do Direito Internacional dos Direitos Humanos – em especial, não-acatamento aos Pontos Resolutivos números 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 16 da já mencionada sentença proferida pela CIDH no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010.

9.1 – Por conseguinte, recomenda-se fortemente ao Estado brasileiro que, sem mais delongas assim deploráveis, adote o quanto antes as providências e diligências aptas a conduzir à localização e identificação das ossadas ou restos mortais das pessoas que, no período referido, foram assassinadas por motivos políticos e cujos cadáveres permanecem em locais desconhecidos ou incertos – tendo-se em conta que as providências e diligências até agora adotadas revelaram-se infrutíferas ou insuficientes para aqueles necessários propósitos humanitários.

9.2 – Recomenda-se do mesmo modo que, malgrado tardiamente, seja conferido tratamento respeitoso às ossadas já localizadas e recolhidas, que se encontram sob a guarda do Estado ou de instituições por ele delegadas, adotando-se as medidas necessárias para garantir a sua preservação, conservação e segurança, bem como mobilizando-se, com agilidade e empenho, todos os recursos e meios administrativos, financeiros, científicos e técnicos capazes de conduzir à célere identificação de tais ossadas.

9.3 – Recomenda-se ademais que, após a identificação de cada ossada, sejam elas entregues aos familiares sobreviventes, em cerimônias públicas oficiais e solenes, para o subsequente e necessário sepultamento digno.    

10 – DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS - Recomenda-se que o Estado brasileiro promova reforma constitucional com vistas à desmilitarização e unificação das Polícias estaduais. As Polícias Militares constituem resquício da ditadura militar, infelizmente abrigado pela Constituição de 1988. Estão presas ao espírito da chamada “doutrina da segurança nacional”, cuja lógica é a do combate ao “inimigo interno”, quase sempre identificado nos excluídos, na juventude negra e pobre, e nos militantes das questões sociais. Dados mostram que cerca de 90% dos mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo são moradores da periferia. Entre 2001 e 2011, 5.591 pessoas foram assassinadas em São Paulo pela Polícia Militar. Não há como construir uma sociedade democrática tolerando uma polícia assim presidida pela lógica da guerra de uma parte da sociedade contra outra, uma polícia como instrumento de extermínio dos socialmente vulneráveis, exorbitante no emprego da violência, e frequentemente mais empenhada no respeito à hierarquia militar do que no respeito à lei.

11 – EXTINÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR

Recomenda-se que o Estado brasileiro promova reforma constitucional com vistas à imediata extinção da Justiça Militar, que ainda hoje presta-se à prática de perseguições a dissidentes políticos, inclusive civis.

11.1 – Para tanto, recomenda-se o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 2014, de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de iniciativa da Presidência da República, com o propósito de revogação dos seguintes dispositivos da Constituição Federal: artigos 122 a 124, e parágrafos 3º e 4º do artigo 125.

12 – TIPIFICAÇÃO LEGAL DO CRIME DE DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOA - Recomenda-se ao Estado brasileiro a aprovação e promulgação do Projeto de Lei nº 245, de 2011, em trâmite no Senado Federal, que tipifica o crime de desaparecimento forçado de pessoa (Texto integral no ANEXO II das presentes Recomendações). Trata-se de item recomendado no Ponto Resolutivo nº 15 da sentença proferida pela CIDH no caso GOMES LUND E OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) VS BRASIL, publicada em 14 de dezembro de 2010.

13 – VALORIZAÇÃO DA MEMÓRIA DAS GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS - Recomenda-se ao Estado brasileiro que adote, em suas três esferas, medidas voltadas à preservação e valorização da memória de todas as pessoas que, no período referido no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram vítimas de graves violações dos Direitos Humanos – destacadamente, aquelas que, por motivos políticos, sofreram sequestro, prisão, tortura, estupro ou humilhação sexual, homicídio, desaparecimento forçado, ocultação de cadáver, cassação de direitos políticos, genocídio, expulsão de suas terras ou expulsão do serviço público.

13.1 – Recomenda-se, assim, a adoção das medidas a seguir arroladas, dentre outras com o mesmo propósito:

  •     Preservação, restauração, tombamento e transformação em memoriais públicos de todos os imóveis urbanos ou rurais que foram palco de graves violações dos Direitos Humanos durante o período indicado no artigo 8º do ADCT da Constituição federal;
  •        Instituição e instalação, na capital da República, do Museu Nacional da Memória e da Verdade, reunindo acervo referente às graves violações dos Direitos Humanos cometidas durante aquele período;
  •    Edificação, na capital da República, de um panteão arquitetônico e escultural em homenagem a todos quantos, durante o mesmo período, foram vítimas dessas violações;
  •        Instituição no calendário oficial nacional, por lei de iniciativa da Presidência da República, a ser encaminhada em 2014 ao Congresso Nacional, do Dia Nacional da Memória e da Verdade, em honra aos que, no mesmo período e por motivos políticos, foram mortos ou sofreram desaparecimento forçado;
  •     Renomeação dos logradouros públicos, das rodovias e demais vias de transporte, dos edifícios públicos e das instituições públicas de qualquer natureza (escolas, hospitais etc.), sejam federais, estaduais ou municipais, cuja denominação refira-se a agentes do Estado ou a membros da sociedade civil que hajam ordenado, executado, permitido, financiado ou, de qualquer forma, colaborado para o cometimento de graves violações dos Direitos Humanos durante o mesmo período;
  •       Nos locais exatos ou aproximados dos logradouros públicos em que essas violações ocorreram ou tiveram início, recomenda-se a colocação de placas informativas do (s) nome (s) da (s) vítima (s), da natureza da (s) violação (s) e da data em ocorreram ou tiveram início;
  •             ........................    


14 – CRIAÇÃO DE UM ORGANISMO PERMANENTE, COM A ATRIBUIÇÃO DE DAR CONTINUIDADE À PESQUISA E APURAÇÃO DAS DENÚNCIAS DE GRAVES VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS - Recomenda-se o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 2014, de projeto de lei de iniciativa da Presidência da República, propondo a criação de um organismo permanente, com as atribuições de dar continuidade à pesquisa, apuração e publicização das denúncias de graves violações dos direitos humanos cometidas durante o período referido no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, com vistas a completar os trabalhos iniciados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, em razão da exiguidade do seu prazo de funcionamento, não puderam ser concluídos.

14.1 – Dentre as tarefas inconclusas, é de se mencionar, dentre outras:

a) análise de todos os arquivos referentes ao período acima mencionado;
b) oitiva das vítimas, das testemunhas, dos ordenadores, executores e cúmplices, militares ou civis, daquelas violações;
c) aprofundamento da apuração das relações de colaboração estabelecidas entre a ditadura iniciada em 31 de março de 1964, o poder econômico e os meios de comunicação social;
d) descoberta do destino das pessoas que, por motivos políticos, foram mortas ou sofreram desaparecimento forçado, bem como a identificação das suas ossadas e sua entrega aos familiares, para que recebam sepultamento digno.

14.2 – Recomenda-se que esse organismo seja legalmente provido de todos os recursos humanos, materiais, técnico-científicos e financeiros necessários ao desempenho de suas funções, inclusive com dotação orçamentária própria.

14.3 – Recomenda-se que ao aludido organismo sejam asseguradas, pela lei que o instituir, as competências para fiscalizar o cumprimento destas Recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade neste Relatório Final; para requisitar informações dos demais órgãos integrantes da administração federal; para constituir grupos de trabalho e pesquisa; e para instalar escritórios nas unidades federadas onde forem necessários.

14.4 – Recomenda-se, como condição imprescindível ao seu funcionamento eficaz, que sejam conferidos ao indigitado organismo, pela lei que o instituir, os mesmos poderes e faculdades arrolados nos artigos 4º, 6º e 8º da Lei federal nº 15.528, de 18 de novembro de 2011.

14.5 – Recomenda-se que esse organismo seja integrado ao menos por sete membros, sendo:

a) um representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) um representante do Ministério da Justiça;
c) um representante do Ministério Público Federal;
d) um representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
e) um representante de entidades da sociedade civil atuantes na defesa dos Direitos Humanos;
f) um representante de entidades da sociedade civil que congregam pessoas que, no período previsto no artigo 8º do ADCT da Constituição federal, foram prisioneiras políticas, ou que são parentes de quem haja estado nessa situação;
g) um representante de entidades da sociedade civil que congregam familiares de pessoas que, no mesmo período, foram ou venham a ser reconhecidas como mortas ou desaparecidas sob a responsabilidade do Estado por motivos políticos.

15 – ABERTURA E CONCESSÃO DAS INDISPENSÁVEIS CONDIÇÕES QUE PERMITAM O LIVRE E EFICIENTE ACESSO A TODOS OS ARQUIVOS REFERENTES AO PERÍODO INDICADO NO ARTIGO 8º DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS (ADCT) DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

15.1 – Recomenda-se ao Estado brasileiro, em todas as suas esferas, que sejam tornados públicos, para livre acesso, todos os arquivos, papéis, relatórios, informes, documentos manuscritos, documentos datilografados, documentos impressos, documentos reproduzidos ou copiados por qualquer meio mecânico ou técnico, fotografias, filmes e microfilmes, gravações de áudio, gravações de vídeo, e demais dados armazenados em quaisquer outros suportes físicos, ou em quaisquer outros formatos técnicos, referentes ao período indicado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, inclusive daqueles que, porventura, ainda estejam sob sigilo – neste último caso, com o seu depósito no Arquivo Nacional no prazo de até 90 (noventa) dias.

15.2 – Recomenda-se, ademais, sejam concedidas, sem delongas, as indispensáveis condições financeiras, materiais, físicas, administrativas, técnicas e humanas, inclusive com a imediata digitalização e fornecimento da necessária estrutura de apoio, capazes de viabilizar o livre e eficiente acesso público a tais materiais.

16 – AMPLA DIVULGAÇÃO PÚBLICA DESTE RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE - Recomenda-se ao Estado brasileiro, por todas as suas autoridades, e por todos os Poderes Públicos da República, que providenciem, o quanto antes, a mais ampla divulgação pública da íntegra do presente Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), inclusive dos seus anexos e de seu acervo documental e de multimídia, divulgação essa a ser promovida especialmente pelos seguintes meios, dentre outros:

a)    publicação deste Relatório Final, na sua íntegra, no Diário Oficial da União; 
b)    depósito gratuito de uma cópia deste Relatório Final em todas as bibliotecas públicas do país, inclusive nas bibliotecas das universidades públicas federais, estaduais ou municipais, bem como nas bibliotecas centrais das universidades privadas sem fins lucrativos, confessionais e não confessionais;
c)    fornecimento e entrega de cópias deste Relatório Final a seja quem for que as solicite, sejam pessoas físicas ou jurídicas, mediante o pagamento tão somente do seu preço de custo;
d)    permissão para a livre e ampla reprodução deste Relatório Final por qualquer meio ou mídia;
e)    em cumprimento ao disposto no artigo 11, parágrafo único, da Lei federal n º 15.528, de 18 de novembro de 2011, a via original do presente Relatório, bem como de todo o acervo documental e de multimídia resultante da conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, deverão ser depositados no Arquivo Nacional para integrar o Projeto Memórias Reveladas.

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