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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Livro mostra concentração de terras nas mãos de políticos


Em meio à verdadeira guerra que se trava em torno do Código Florestal, à guerra de sempre que empilha corpos de militantes, advogados, religiosos e camponeses, sem-terras, indígenas e, principalmente, dirigentes de sindicatos rurais, assassinados no campo, no Brasil, o livro do jornalista Alceu Castilho traz informações preciosas para entendermos uma parte importante dessa situação.

Em meio à escassez de um jornalismo sério e combativo, faço questão de recomentar a todos a leitura de Partido da Terra, livro-reportagem de Alceu [editora Contexto, 240 páginas, preço em torno de R$ 25,00], que descortina o sistema político ruralista em nosso país. Com base nas declarações de bens de prefeitos, vice-prefeitos, deputados e senadores, dadas à Justiça Eleitoral entre 2008/2010, Alceu aferiu a extensão das terras que estão hoje nas mãos dos políticos, de acordo com os partidos.

Segundo o levantamento, o PSDB é o primeiro no ranking entre os prefeitos e vice-prefeitos analisados com 21,5% dos hectares declarados. Já entre os parlamentares (deputados e senadores) o PMDB detém 21,1% das terras. Partido da Terra destaca ainda a questão dos conflitos agrários e do trabalho escravo no país. Segundo Castilho, nós temos uma situação praticamente desconhecida pelo país no campo. Na entrevista a seguir, Alceu conta um pouco dessa história.

Motivações

Partido da Terra é um trabalho de jornalismo investigativo. Foram analisadas cerca de 13 mil declarações de bens de políticos eleitos –prefeitos e vice-prefeitos, deputados e senadores - entregues à Justiça Eleitoral em 2008 e em 2010. A ideia surgiu em 2006, após eu ter feito uma série de reportagens analisando os bens dos 513 deputados federais. Neste trabalho, o que mais me chamou a atenção foi a dimensão dos bens rurais desses parlamentares. A partir dela eu descobri ser possível contar quantos hectares de terra eles tinham e decidi escrever um livro, ampliando o público. Além dos deputados, levantei também a situação de prefeitos e vices, governadores e demais parlamentares. Meu objetivo foi ter uma ideia melhor do quanto os políticos têm do território brasileiro. Este é o tema central do livro. 

Além desta, minha outra motivação foi social. Eu me interesso muito pela questão agrária. Ela está diretamente relacionada aos conflitos no campo e com a matança histórica de camponeses, sem-terras e indígenas no país. 

Duas partes do livro são destinadas à essa discussão - ambiente e excluídos. Neste último, eu conto histórias de trabalho escravo, assassinatos e ameaças a camponeses e indígenas. Trata-se, portanto, de um livro sobre política, que conta a história da apropriação do território brasileiro por suas elites, com a conhecida exclusão de milhões de pessoas. Muitas mortas, ameaçadas e escravizadas. 

Partidos

A partir das declarações de bens desses políticos, eu consegui detalhar os hectares de terra de acordo com os partidos brasileiros. É importante frisar que não se trata do total que esses políticos têm, mesmo porque nessas declarações não estão incluídos os hectares das empresas agropecuárias. Além disso, eu me baseio em declarações de renda, portanto, alguns dados podem estar defasados, sem falar o que não foi declarado. 

De forma geral, entre os prefeitos e vices quem têm mais hectares de terras são políticos do PSDB (21,5%), seguido do PMDB (19,98%), PR (13,09), PP (12,5%) e DEM (7%). Já entre os parlamentares, o primeiro partido é o PMDB (21,1%), seguido do DEM (18,71%), PR (15,42%), PDT (10,13%) e PTB (9,48%). 

Minha maior surpresa foi descobrir que o PSDB está na frente entre os prefeitos e tem uma grande quantidade de latifundiários nos grotões. Os personagens mais conhecidos entre os tucanos não são latifundiários, mas na lista dos 31 maiores, a partir dessas declarações, o PSDB é primeiro e segundo lugares, em Goiás e no Ceará. O que surpreende é que o PSDB não é o primeiro, nem o segundo maior partido do país. O PMDB é maior e tem mais prefeitos. Da mesma forma, eu achava que o DEM e o PP – filhos da ARENA – ultrapassariam o PMDB. 

Em relação aos partidos de esquerda, embora apareçam políticos proprietários de terra, a porcentagem é menor, mas aparecem aqui e ali. Entre os prefeitos, o PDT está em sexto lugar e o PT em oitavo. Já entre os parlamentares, a quantia de terra nas mãos de petistas é insignificante (1,67%). Agora, o PR, que não tem tanta representação, aparece em terceiro lugar nos dois levantamentos despontando, proporcionalmente, como um partido de grandes proprietários.

Uma situação praticamente desconhecida dos brasileiros

Nós temos uma situação que é praticamente desconhecida dos brasileiros no campo em relação às declarações de terras e informações dadas pelos políticos. O eleitor não está sendo agraciado com a informação mínima a que tem direito, por exemplo, sobre a fatia do território brasileiro que esses dois públicos (gestores e parlamentares) possuem. Muito menos sobre o que há nessas terras, se elas são produtivas ou não.

Acabei descobrindo também que deputados do Sul e Sudeste têm muita terra no Cerrado e na Amazônia. São Félix do Xingu (PA), segundo maior município brasileiro em território e área de rebanho bovino, sofre um boom de políticos. É lá onde eles mais têm terra. E exatamente em um local que é palco de conflitos, em plena Amazônia, com altos índices de desmatamento. O que políticos do Sul estão fazendo nesse município? 

Há muito crime ambiental perpetrado por políticos, parlamentares, secretários de meio ambiente, deputados e senadores. Eu destaquei um capítulo, inclusive, para mostrar que há políticos de todo o país com terras no chamado arco do desmatamento. O que eles estão fazendo lá? Esse é o debate que a sociedade brasileira precisa travar. Que matriz queremos? Um território brasileiro para uma elite com algumas centenas de pessoas? Ou um território para todos? Eis a questão.

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