Por Eduardo Sá
“Ergue a bandeira de luta, deixa a bandeira passar. Essa é a nossa luta, vamos unir para mudar!”. Esse foi o canto que abriu na noite de ontem (26) o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, realizado em Salvador, na Bahia. Cerca de 300 pessoas participaram da cerimônia de abertura, cuja mesa foi composta pelas entidades organizadoras do evento e representantes de setores do governo da Bahia e do governo federal que apoiaram a realização do encontro. As atividades seguem até a próxima quinta-feira (29).
No ato místico da abertura os movimentos sociais presentes falaram o que os motiva a lutar: igualdade racial, justiça ambiental, a vida acima do lucro, democratização da mídia, etc. A Comissão Organizadora do encontro é formada por nove entidades, todas relacionadas às mesas temáticas: agroecologia, saúde e justiça ambiental, soberania alimentar, economia solidária e feminismo. A proposta é aproximar diversas experiências em todo o Brasil em busca de outro modelo de desenvolvimento.
Segundo Maria Emília Pacheco, representante da Fase - Solidariedade e Educação, as organizações vêm desde 2002 pensando nessa atividade e a partir de 2010, quando foi feito um balanço, começaram a aprofundar as relações já existentes entre as redes. Três oficinas territoriais ocorreram no ano passado a fim de aproximar os projetos: no norte de Minas Gerais, no planalto serrano de Santa Catarina e no agreste da Paraíba. Maria Emília explicou que o encontro é regido por um princípio político pedagógico partindo das experiências concretas desses territórios.
“O avanço do agronegócio vem criando com sua expansão bloqueios para a reforma agrária, a promoção da agroecologia. É necessária a interação de todas as regiões. Pactuamos um conjunto de redes para explicitar claramente que as experiências desenvolvidas precisam ser visibilizadas para o governo perceber seu acúmulo”, destacou.
Marcelo Firpo, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, observou que é preciso ampliar a capacidade na leitura do contexto sócio político frente aos conflitos, observando as resistências e propondo formas de construção alternativas nesses locais. Ele lembrou que durante o evento uma plataforma de Inter-mapas, que localiza e aglutina essas iniciativas no Brasil via internet, será inaugurada.O Inter-mapas reunirá dados de iniciativas agroecológicas, de empreendimentos de economia solidária, situações de injustiça ambiental e os impactos das obras financiadas pelo BNDES. Quebrar a barreira da mídia, de modo a apresentar as experiências, é um dos desafios desses grupos, de acordo com Firpo.
“Precisamos perceber e ampliar as lutas, nos fortalecer nos posicionamentos e propostas. É fundamental o fortalecimento entre as redes e o diálogo com a sociedade. Essa atividade é fruto de um contínuo, profundo e frutífero diálogo. Ao final do evento será lançada uma carta, que servirá de marco para que possamos aprofundar essas ações concretas”, disse.
Todas as nove entidades que se articularam para viabilizar o Encontro se apresentaram na mesa. São organizações da sociedade civil articuladas por todo o Brasil, com iniciativas locais alternativas ao modelo hegemônico de desenvolvimento. Alguma destacaram a necessidade de analisar as contradições do atual momento histórico, com seus avanços e retrocessos. O avanço da agroecologia nos últimos anos em paralelo à expansão do agronegócio é um exemplo.
Os acadêmicos que participam desses movimentos destacaram o desafio de se pensar numa “ciência ética”, que responda às demandas sociais e seja mais cidadã. “Precisamos romper com essa falácia de que o mundo acadêmico está aparte das lutas sociais e populares”, propôs Flavia Marques, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
Outro exemplo é a Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), de pesquisadores que há 30 anos se articulam em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). Fernando Carneiro, representando a entidade, observou que foi entregue pelo Movimento da Reforma Sanitária à presidenta Dilma um documento com cinco pontos, cujo primeiro deles reforça a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento do país. Ele destacou também as ameaças sofridas por alguns cientistas, que são processados por grandes empresas ao apontarem problemas no modelo de desenvolvimento que busca o lucro acima da saúde humana.
Ivanete Gonçalves, da Rede Alerta Conta o Deserto Verde, que luta contra o monocultivo de eucaliptos, explicou que sua organização nasceu nas aldeias tupiniquins no Espírito Santo em resistência a empresa Aracruz, hoje chamada Fibria, que ocupou as terras indígenas. A luta agora, segundo ela, é impedir o avanço das plantações de eucalipto no sul da Bahia, que já tem 700 mil hectares ocupados. Durante a cerimônia de abertura, Ivanete entregou ao governo um abaixo assinado pedindo a suspensão da ampliação das plantações de eucalipto da empresa Veracel, que atua no estado. De acordo com a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, o próprio governo admite a falta de governança do estado em relação a monocultura de eucalipto. Ao abaixo-assinado foram anexados estudos da Fiocruz comprovando o malefício da utilização de agrotóxicos nesses terrenos.
Posicionamento do governo
Representando alguns órgãos do governo estadual da Bahia e do governo federal, que apoiaram a realização do evento, a mesa de abertura encerrou pedindo a pressão popular para estimular essas iniciativas dentro do aparato estatal. O principal ponto destacado por eles é a própria contradição dentro do governo, porque suas alianças impedem o avanço de muitas pautas demandadas pela sociedade. Foi um consenso entre os representantes dos governos que a organização dos movimentos sociais é fundamental para o governo observar as necessidades da sociedade.
“A democracia não é o regime da maioria e sim dos que estão mais organizados. São eles que têm mais condições para propor políticas públicas. A maior expectativa é que vocês consigam não nos deixar, esperamos que vocês sigam além da retórica. Sejam capazes de fazer uma tradução prática desse encontro”, afirmou Eduardo Soares, da Diretoria de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
Falando em nome do Ministério do Ambiente, o Secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, Roberto Vicentini, destacou que, apesar das mudanças significativas que vêm ocorrendo na sociedade brasileira na última década com a diminuição das desigualdades sociais, os elementos que compõem um bloco econômico hegemônico não se modificaram. Com a “mídia absolutamente concentrada e a expansão do agronegócio”, esse encontro se faz necessário para articular as experiências. “Desafio e tarefa não apenas de fazer contestação, mas, sobretudo, colocar um novo modelo econômico”, concluiu.
Mesmo com os problemas e contradições inerentes no Estado, César Lisboa, Secretário de Relações Institucionais do governador Jaques Wagner (PT-BA), disse que a governo baiano tem feito uma atualização histórica, pois a participação popular vinha sendo bastante reprimida nos últimos anos. Apesar da aliança ampla do governo, defendeu, que o Estado tem contribuído para a democracia na participação social e popular com a criação da Secretaria da Mulher, da Igualdade Racial, a luta pelo trabalho decente, dentre outras iniciativas. Segundo Lisboa, membros do governo vão acompanhar todos os debates do Encontro. Ele ressaltou também a necessidade de inovar os mecanismos da reforma agrário do Estado, pois os atuais estão se esgotando.
Organização do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências
As nove entidades que convocam o encontro são a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Fórum Braisleiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Associação Braileira de Pós Graduaçãoem Saúde Coletiva(Abrasco), Rede Alerta Contra o Deserto Verde (RDAV), Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
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