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domingo, 2 de outubro de 2011

Na Nova Zelândia, grupo de pais busca frear o “genocídio” de pessoas com síndrome de Down



Por: Lúcio Carvalho

Enquanto a evolução da ciência avança na direção de novas terapias que poderão melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas com Síndrome de Down em todo o mundo, como visto recentemente na matéria da revista do jornal The New York Times, “Um medicamento para a síndrome de Down” , a mesma ciência põe em risco milhões de novas vidas de bebês em gestação com a trissomia*.

Para fazer frente ao que qualifica como “extermínio” de bebês com Síndrome de Down antes do nascimento, o grupo Savingdowns, da Nova Zelândia, entrou com queixa contra o país no Tribunal de Justiça Internacional em Haia, na Holanda.

Segundo o grupo Savingdowns, o novo programa de triagem pré-natal financiado pelo governo neozelandês identifica gravidezes de bebês com Síndrome de Down que são encaminhadas para o aborto seletivo (O aborto é permitido na Nova Zelândia).

Formado por pais e irmãos de pessoas com Síndrome de Down, o Savingdowns tem a missão de defender a vida das pessoas comSíndrome de Down, desde a concepção até a morte natural, para que sejam livres de qualquer forma de discriminação. O aborto seletivo é o que chamam de “cúmulo da discriminação”.

Mike Sullivan, engenheiro civil autônomo, professor de Yoga e porta-voz da Savingdowns, que vive na Nova Zelândia, com a mulher Rae e Rebecca, filha de três anos que tem Síndrome de Down, apareceu no documentário Down, fala sobre a ameaça e os efeitos sociais que a triagem pré-natal tem representado para a comunidade de pessoas com Síndrome de Down.

Por que você acha que o governo está impedindo os bebês com síndrome de Down de nascer?

Ignorância, medo, preconceito e razões econômicas. Há uma presunção falsa de que as pessoas com Síndrome de Down têm menos valor e são menos humanos do que os outros. Por isso elas são direcionadas para o aborto seletivo. Esta noção é basicamente fundada na ignorância e no medo.

Em última análise, é uma questão econômica. Em um relatório para a Unidade Nacional de Triagem Neonatal da Nova Zelândiahá uma passagem que é autoexplicativa “O custo econômico da triagem compensam os recursos elevados associados às necessidades de cuidados ao longo da vida de um indivíduo com Síndrome de Down”. O governo investe US$ 75.000 para detectar cada bebê com Síndrome de Down no útero. Quaisquer problemas médicos que podem exigir cuidados seriam detectados no pré-natal, que é centrado na vida. O governo está investindo para evitar nascimentos por razões econômicas.

Como surgiu a ideia de ir ao Tribunal de Justiça Internacional?

Inicialmente uma das nossas apoiadoras começou uma discussão em torno do uso da “eugenia”. Ela argumentou que era “genocídio”.“Geno” é para “constituição genética” em grego e “Cide” – latim para “matança de” – portanto, “genocídio” é a matança de pessoas com base em sua constituição genética. Então me deparei com o artigo sobre o genocídio e crimes contra a humanidade em relação às pessoas com deficiência, que me deu a ideia de levar o caso ao tribunal.

Baseados em quê vocês estão apelando para o Tribunal de Justiça Internacional?

Nossos motivos são violações dos artigos 6 e 7 do Estatuto de Roma através da perseguição de um grupo identificável da população civil (aqueles com Síndrome de Down) através de medidas que impeçam o seu nascimento.

Nosso argumento é que as pessoas com Síndrome de Down são um grupo estável e permanente e, como tal, constitui o status de um grupo protegido. No acórdão do Tribunal De Justiça Internacional Akayesa, datado de 02 de setembro de 1998, relativo ao genocídio em Ruanda, a definição de um grupo protegido foi reconhecido para ser aplicado a qualquer grupo estável e permanente. O artigo 701 do referido juízo diz “A Câmara concluiu que era necessário, acima de tudo, respeitar a intenção dos redatores da Convenção sobre Genocídio, que, de acordo com trabalhos preparatórios, foi claramente de proteger qualquer grupo estável e permanente”.

Além disso, como as pessoas com Síndrome de Down são geneticamente ligadas por ter em comum um terceiro cromossomo 21 e partilhar as mesmas características físicas, podem ser definidas tanto como um grupo étnico quanto racial: nos dois casos são pessoas distinguidas com base em características genéticas e físicas comuns, segundo qualquer definição de dicionário.

Vocês tentaram falar com as autoridades da Nova Zelândia antes de recorrer ao Tribunal De Justiça Internacional?

Vários contatos foram feitos diretamente com o Ministro da Saúde, que se recusou a reconhecer as nossas preocupações.

A questão foi levantada formalmente através da Comissão de Direitos Humanos da Nova Zelândia, que determinou que as pessoas com Síndrome de Down não são protegidas nos termos do artigo 6 do Estatuto de Roma. Depois o assunto foi levado ao Diretor para Procedimentos de Direitos Humanos da Nova Zelândia. Ele também determinou que as pessoas com Síndrome de Down não são protegidas nos termos do artigo 6 do Estatuto de Roma, mas indicou que se eles estivessem protegidos pelo Estatuto de Roma, o programa de triagem que facilitasse o aborto seletivo de tal grupo com base em sua identidade seria uma violação do Estatuto de Roma.

Você sabe a reação de seu governo com relação à queixa ao Tribunal Internacional?

Eles negam as nossas reivindicações.

O que vocês esperam com estas ações?

Esperamos que o Tribunal exija que a Nova Zelândia suspenda a prática do aborto seletivo de pessoas com Síndrome de Down, conforme previsto em suas obrigações sob o Tratado de Roma.

Há adultos com Síndrome de Down envolvidos na campanha? O que eles pensam sobre isso?

Sim, mas não como signatários da queixa.

trissomia consiste na presença de três (e não duas, como seria normal) cromossomas de um tipo específico num organismo.

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