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sábado, 24 de março de 2012

Ficha limpa e soberania popular - Carlos Moura*

 
Em tempo de difíceis manifestações de apreço aos valores éticos e morais, especialmente na esfera política, acabamos de assistir à plena validade da Lei nº 135, denominada Lei da Ficha Limpa. Proposta nascida da sociedade civil, conforme o prescrito na Constituição Federal, foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada e chancelada pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de episódio que nos instiga a reflexões: a soberania popular impõe-se quando a sociedade organizada intervém na sistemática do poder; os instrumentos legais do exercício da cidadania, se utilizados com soberania, produzem benéficos resultados, no momento em que a tradicional democracia representativa claudica. Tornam-se necessários gestos capazes de legitimarem a democracia direta, mediante a adoção de mecanismos de poder forjados no seio da população.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), integrado por mais de 40 entidades da sociedade civil — dentre as quais a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil —, ao decidir prestar um serviço ao país, no sentido do aprimoramento do processo eleitoral procurou uma temática palatável a todos. Ou seja, impedir candidaturas de brasileiros com vida pregressa em descompasso com as boas normas de convivência comunitária e em desalinho com os postulados legais. Entende-se que o postulante a quaisquer cargos mediante sufrágio há de exibir a sua ficha limpa. E mais: se limpa quanto às prerrogativas emanadas das leis, limpa, também, no que se refere à prática de bem servir à comunidade. Ao pleitear votos, o candidato só é legítimo se tem provada sua vocação para o bem comum: trabalhos em prol da sociedade.

A Campanha da Ficha Limpa tornou possível aos que não possuem intimidade com o direito conhecerem e entenderem expressões, até então cativas dos saberes de quem exerce funções atinentes aos temas jurídicos: presunção de inocência, retroatividade das leis, elegibilidade e inelegibilidade, plebiscito, referendo, iniciativa e soberania popular, prescrição, democracia representativa, direito adquirido, segurança jurídica, além de outras. Possibilitou à sociedade conhecer a Justiça Eleitoral, sua composição, funcionamento e prerrogativas. Concorreu para que houvesse o início de uma aproximação entre o Judiciário e a população, essa em busca de compreender os meandros judicantes e na esfera — no caso da Ficha Limpa—de um despacho favorável. A Lei complementar nº 135 tem, ainda, o poder de contribuir para a educação política de todos. A sociedade participou do processo do início ao fim atenta às tramitações no Congresso e aos julgamentos na esfera judicial. Para tanto, destaca-se o apoio da imprensa em geral, ontem e sempre.

Democracia e participação popular são anéis de uma mesma corrente. Há 10 anos entrou em vigor a Lei 9.840. Testada nos pleitos anteriores, produziu efeitos benéficos posto que inúmeros candidatos tiveram o seu registro anulado em vista de sentença judicial e perderam mandatos. As Leis 9.840 e 135 —frutos de iniciativa popular— causam verdadeira resolução no arcabouço jurídico eleitoral e levam o eleitor a escolher com rigor o ente que pleiteia o sagrado voto. O processo de educação política implica, ainda, o eleitor tornar-se fiscal das atividades do eleito no Legislativo ou no Executivo. Cabe ao eleitor uma atitude vigilante quanto às ações daquele que recebeu uma procuração para representá-lo. Não basta observar o desempenho, mas propor atividades e soluções para eventuais problemas que possam existir em desfavor da sociedade.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral está ciente de que cumpriu com o seu papel e estuda outras medidas destinadas ao aprimoramento da democracia em benefício dos cidadãos. Espera-se uma reforma política ampla, que possa atingir os três poderes, na perspectiva de crescente valorização do desempenho de atividades públicas que sejam republicanas. O bom desenvolvimento econômico do Estado deve sempre pôr-se a serviço de todos os brasileiros, com ênfase nos mais empobrecidos e discriminados.

  * Diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

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