Se existe artigo difícil de escrever é sobre os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), que obtém informações anuais sobre características demográficas e socioeconômicas da população. Ninguém nega a importância dos dados, mas existem certas informações que não dizem muito.
A pesquisa sobre bens duráveis pode levar o olhar do analista a caminhos diferentes. O levantamento de quantas casas tem fogão apresenta o seguinte resultado: nas cidades, a maioria (164,1 milhões) possui fogão e 992 mil, não possuíam; na área rural, 28 milhões possuíam e 1,3 milhão não tinha fogão.
A pergunta é: o que há dentro da panela? Pode-se pressupor que algumas panelas estarão cheias e outras com água com açúcar (garapa) com todas as suas consequências à saúde, como mostra o filme de José Padilha.
Pode-se supor que estas respostas indicam de quantas casas os moradores se alimentam de produtos cozidos, assados ou fritos, e quantos se alimentam de produtos in natura se é que se alimentam. Esses dados podem ter algum significado para uma nutricionista, mas não se sabe como o governo vai trabalhar com eles.
A pesquisa sobre a existência de filtros de água nas casas pode, em alguns casos, ser uma pergunta sarcástica. Imagine: um pesquisador no interior do sertão nordestino chega a um barraco de taipa de mão ou pau a pique. Na porta, duas ou três crianças nuas, marrons como a terra, com uma barriga saliente, e pergunta para a mãe magrinha: a senhora tem filtro de água?
Ela não sabe bem o que é isso, mas como não tem nada em casa, responde Não . Vira estatística: zona rural, 17 milhões não tem filtros de água e 12,3 milhões possuem. Na cidade, outro pesquisador vai se defrontar com uma situação semelhante em termos percentuais: 91 milhões de domicílios têm filtro e 74,3 milhões não têm. Estes dados podem indicar quantas pessoas estão bebendo água poluída. Há uma violação do direito humano ao acesso a água saudável.
A pergunta sobre a geladeira segue no mesmo rumo. Na zona urbana, 162 milhões de casas possuem geladeiras e três milhões não têm geladeira. Na área rural 25 milhões possuem e cinco milhões não possuem. O que me intriga na pesquisa é: O que tem dentro das geladeiras? .
As perguntas sobre freezer e máquina de lavar roupas são coisa de primeiro mundo para a maioria da população brasileira. Tanto que mais de 160 milhões de casas não possuem freezer. Dados como estes só têm finalidade para as empresas de eletrodomésticos de linha branca, como as multinacionais LG, Samsung, Brastemp e Consul, da Whirlpool Latin American.
Não quero dizer que os dados da PNAD são inócuos. Há dados que podem servir para a implantação, por meio de políticas públicas, de redes de abastecimento d'água, esgotamento sanitário, banheiro/sanitário, destino do lixo, iluminação elétrica, classes de rendimento e educação.
É importante, para a programação estratégica educacional do governo, saber que na área urbana existem mais mulheres alfabetizadas (75 milhões) do que homens (68 milhões). Enquanto que na zona rural os dados de homens e mulheres alfabetizados estão praticamente empatados: 10,8 e 10,5 milhões, respectivamente. Porém, as mulheres rurais não-alfabetizadas são em menor número (2,5 milhões) do que os homens (3,3 milhões). Nas cidades os não alfabetizados são 6 milhões e as não-alfabetizadas atingem 6,3 milhões. Esses dados podem impulsionar os programas de erradicação do analfabetismo.
A pesquisa do IBGE é respeitada, mas precisa renovar o olhar mais sobre as necessidades sociais e menos sobre os bens materiais existentes dentro de casa. Mais vale saber quais as alternativas que se utilizam para tratar a água do que uma linha histórica de quantas casas possui filtros de água.
*Edélcio Vigna é conselheiro do Consea e doutorando em Ciências Sociais.
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