A cerca de 85 km de Manaus, na foz do Rio Preto da Eva, às margens esquerda do Paraná da Eva e às Margens Direita do Lago do Engenho, está situada a Vila do Engenho — uma comunidade construída com esforço coletivo, memória e muita história.
Em 1856, ainda no Governo Provincial do Amazonas, surgiram as primeiras experiências de agroindústria: uma serraria e uma fábrica de aguardente de cana, ambas movidas a vapor. Mas em 1870, as caldeiras se apagaram. A serraria já não operava, e o tempo começou a moldar novos caminhos.
Décadas depois, em 11 de setembro de 1908, estas terras foram tituladas com o nome de Santo Antônio, por ato do então governador Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt. Nascia ali uma propriedade particular com nome de santo e destino de vila.
Já no final da década de 1980, o título original foi parcelado. O que restava? A chamada "Ilha do Cemitério", com poucas casas em seu entorno. Os moradores ali pareciam guardar mais que lembranças — eram os verdadeiros guardiões do antigo Cemitério Santo Antônio.
Foi então em meados de 1998 que assumi a presidência da Comunidade Sagrado Coração de Jesus. Sonhávamos com um centro comunitário, um espaço de encontro e fortalecimento coletivo. Para isso, era necessário adquirir a tal Ilha do Cemitério. E foi assim que começou uma longa jornada de diálogo.
Primeiro, fizemos um planejamento do nosso mandato e nele estava a aquisição da Ilha como uma das prioridades do nosso planejamento. Inúmeras visitas à casa do Seu Dedé Bessa, herdeiro e procurador da terra. Um homem dividido: queria negociar, mas declinava ao sentir que vender a Ilha era como se fosse “vender” as sepulturas de seus antepassados.
Foram meses de conversas, dúvidas, recuos e avanços. Até que encontramos um entendimento. Fechamos um acordo moral: a comunidade compraria a Ilha, comprometendo-se a cuidar, zelar e manter o Cemitério Santo Antônio.
Durante a negociação, surgiram manifestações de conflitantes — vizinhos ao norte da Ilha — que alegavam direito preferencial de compra à parte da frente das terras. Além disso, ainda estávamos em processo de formalização da nossa organização comunitária. À época, éramos apenas uma Comunidade Eclesial de Base (CEB), sem personalidade jurídica para assinar o contrato.
Superados os impasses, firmamos um novo acordo com os vizinhos e com o Seu Dedé. O valor acertado foi de R$ 12.000,00, com um ano de carência. O pagamento foi viabilizado com a venda de lotes, permitindo à comunidade quitar a dívida e iniciar a ocupação ordenada da área.
Foi assim que nasceu, tijolo por tijolo, família por família, a nossa Vila do Engenho. Hoje, 25 anos depois, precisamos novamente sonhar juntos.
Nossa vila cresceu, ganhou vida e alma. Mas é hora de pensar no futuro: distritalizar, planejar, estruturar, para garantir que nossa comunidade se torne, cada vez mais, um lugar com qualidade de vida, identidade e autonomia.
Por: Douglas Rocha (Líder comunitário).
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