A decisão histórica foi tomada no final da semana passada pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF) que reconheceu o direito à promoção de Lamarca, morto em 1971 durante a ditadura militar. Ele foi promovido a coronel, com proventos de general de brigada. A sentença põe fim ao tabu defendido pelas Forças Armadas (FFAA), segundo o qual Lamarca seria um desertor do Exército e não tinha direito a promoções, o que emperrou a tramitação da ação judicial desde 1993.
“Um julgamento dessa natureza, além de fazer Justiça, representa um respeito às práticas das normas constitucionais, notadamente da anistia”, comemorou a advogada da família Lamarca, Suzana Angélica Paim Figueredo, do escritório de advocacia do ex-deputado Luiz Eduardo Grenhalgh. Ela sustentou na ação rescisória que o Ato de Disposições Transitórias não impunha limites às promoções.
Advogada diz que sentença fortalece a Constituição
Para ela, o voto do relator do TRF-3ª Região, desembargador José marcos Lunardelli “dá a exata dimensão do fortalecimento da Constituição, do ponto de vista jurídico. Do ponto de vista político e histórico, a decisão do Tribunal é extraordinária porque é o reconhecimento da luta daqueles que se colocaram corajosamente contra a ditadura, dos cidadãos iguais a Lamarca.”
O capitão Carlos Lamarca morreu no dia 17 de setembro de 1971, aos 34 anos. Foi executado em Brotas de Macaúbas, no sertão da Bahia, após ter sido cercado por agentes da Operação Pajuçara, sob o comando da 6.ª Região Militar de Salvador. A Pajuçara foi chefiada pelo general Nilton Cerqueira, que há poucas semanas, intimado, compareceu a Comissão Nacional da Verdade (CNV), negou-se a depor, e só quebrou seu silêncio para dizer que julga absurdo quererem apurar e julgar judicialmente esse seu ato de 43 anos atrás.
Em 1969 Lamarca havia abandonado o 4.º Regimento de Infantaria, em Quitaúna (Osasco-Grande São Paulo), para juntar-se a grupos de esquerda que atuavam na resistência armada à ditadura. Com um histórico militar brilhante, no qual era apontado como “disciplinado e disciplinador” e considerado um excelente atirador, ele integrou Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Exército criou tabu: não o promovia e o acusava de desertor
Agora, em votação unânime, a Corte federal acolheu a ação rescisória movida por sua família – sua viúva, Maria Pavan Lamarca, de 77 anos, e os filhos do casal, César e Cláudia – contra sentença de 1ª instância que não havia reconhecido o direito à promoção após a morte do oficial.
“Reconhecemos a promoção (de Lamarca) ao posto de coronel, com soldo de general de brigada, tal como a Comissão da Anistia declarou”, observou o desembargador-relator Lunardelli.
“A decisão segue o que já havia sido declarado na esfera administrativa.” O relator lembra que na 1ª instância já havia sido reconhecida a condição de anistiado de Lamarca, mas não o direito às promoções post mortem. “Reconhecemos (agora) esse direito à família”, declarou.
Antes do julgamento da semana passada, a 7.ª Vara da Justiça já havia reconhecido expressamente que Lamarca não foi um desertor, mas que caiu na clandestinidade porque sofria ameaças no quartel. Essa decisão limitou, no entanto, a promoção até o posto de capitão – para efeitos de indenização e pagamento de pensão para a viúva.
Lamarca foi beneficiado inicialmente pela Lei da Anistia, de 1979 e anos depois, em 1996, em processo instaurado na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela morte do militar.
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