Tocantes, para se dizer o mínimo, os depoimentos prestados as Comissões da Verdade nacional e estadual fluminense reunidas ontem no Rio por ex-militares e parentes de militares da Aeronáutica perseguidos durante a ditadura militar (1964-1985). Revoltante que passados tantos anos, quase meio século desde o golpe e 28 anos depois da redemocratização, sejamos um dos últimos países do mundo que sofreram um regime de exceção onde ainda não se pode fazer justiça e que ainda tenhamos essa excrescência que é a Lei de Anistia recíproca.
O primeiro a prestar depoimento às comissões, ontem, foi o ex-soldado da Aeronáutica José Bezerra da Silva, que serviu de 1971 a 1979 na Base Aérea do Galeão, na Ilha do Governador. Ele lembrou que a Base Aérea foi um dos centros de tortura no regime militar. Em seu depoimento, ressurge o martírio de Stuart Angel Jones: Bezerra contou que viu Stuart, filho da estilista Zuzu Angel, ser torturado.
"Ele não suportou respirar o gás do cano de escapamento do jipe dos militares. (Eram) quatro militares contra ele. Fui reclamar e acabei torturado. Os militares que não concordavam com o regime foram perseguidos pelos oficiais da Aeronáutica", lembrou o ex-soldado. Segundo o ex-militar, na Base Aérea do Galeão havia três pontos de tortura, um deles no subterrâneo. Para essas celas eram levados políticos ou pessoas conhecidas pela sociedade.
Militares que discordavam da tortura eram torturados
"Quem ia para o subterrâneo recebia as mais graves torturas. Os militares que discordavam iam para o presídio disciplinar e expostos a torturas também", contou, lembrando ainda que militares do serviço de inteligência e do DOPS chegaram a ir a sua casa ver o que ele lia e como vivia.
"Só via aqueles Opalas cinza e bege entrando na Base conduzindo pessoas com o rosto coberto. Éramos orientados a não abrir as malas dos carros. O CISA (Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica, extinto em 1988) era a Gestapo dentro da Força", conta José Bezerra, comparando o grupo de inteligência da Aeronáutica à polícia secreta da Alemanha nazista de Adolf Hitler.
No depoimento do ex-soldado e nos dos outros três depoentes de ontem, surge um tema sempre proibido: a repressão e a perseguição por integrantes das Forças Armadas contra milhares de oficiais e praças que se opuseram ao golpe militar de 1964 e defenderam a Constituição, uma história a ser escrita. Felizmente, começa a ser.
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