MPF contesta títulos dados pelo governo do Amazonas a empresários paulistas na Terra Waimiri Atroari.
Uma ação civil do Ministério Público do Amazonas que pede estudos para revisão dos limites da Terra Indígena Waimiri Atroari pode levar a União a economizar R$ 300 milhões em indenizações a um grupo de 11 empresários de São Paulo pelo alagamento provocado pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Balbina, inaugurada em 1987. Segundo o MPF, títulos de terras, batizados de “paulistas”, foram doados irregularmente aos empresários pelo governador "biônico" do Amazonas, Danilo Duarte de Matos Areosa (1967 -1971), com o único objetivo de gerar indenizações milionárias. O lago artificial da usina, formado pelo represamento das águas do Rio Uatumã, teria deixado submerso um terço do território tradicionalmente ocupado pelos índios.
De acordo com a ação, os beneficiados pela doação eram “cidadãos que sequer pisaram o solo amazonense”. Com os títulos em mãos, os empresários, todos com endereços de São Paulo, foram à Justiça requerer indenização milionária, que inclui até venda da madeira das árvores que ficaram submersas, alegando que teriam auferido lucro se as tivessem vendido. O pedido de indenização está em fase de execução.
Os procuradores afirmam que, no mesmo período em que o governo traçava o Plano Diretor de Desenvolvimento da Amazônia e os estudos para instalação da usina na Cachoeira Balbina, no Rio Uatumã, o governo do Amazonas doou lotes justamente na área que os estudos indicavam que seria inundada e, portanto, teria de ser desapropriada. Embora constassem 66 lotes na região alagada, eles estavam concentrados nas mãos dos poucos proprietários moradores de São Paulo ou de empresas por eles comandadas.
Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assinada pelo desembargador Cândido Ribeiro, determina que a execução prossiga, uma vez que uma sentença de 30 anos atrás deu ganho de causa aos empresários e condenou a União a indeniza-los. A maioria deles tem mais de 80 anos e pelo menos um terço já teria morrido, beneficiando hoje seus herdeiros. A execução, porém, não foi finalizada e ainda é pendente de citações, segundo despacho do mesmo TRF de abril passado.
A Terra Waimiri Atroari foi criada por decreto, em 1971, com 1.661.900 hectares. Em 1974, foi aumentada em 412.500 hectares. Em 1989, foi homologada com 2.585.911 hectares, excluindo expressamente a área de mineração e a parte a ser alagada pela UHE de Balbina, erguida na Cachoeira Balbina, no Rio Uatumã.
— Foi feito um corte para atender os interesses da Paranapanema na mina de Pitinga — afirma Artur Nobre Mendes, representante da Funai no Programa Waimiri Atroari.
Denúncia de massacre de waimiris
A Mina da Pitinga foi vendida a um grupo peruano e continua a ser explorada. O minério escoa por uma estrada que corta cerca de 38 km da Terrra Indígena, e os índios são remunerados por isso. Na Câmara dos Deputados, há pressão para que os índios deixem de controlar a passagem pela estrada, pois eles fecham o acesso à noite.
Reduzidos a 374 pessoas em meados da década de 70, os índios Waimiris Atroaris foram alvo de um programa de educação e resgate da cultura índígena patrocinado pela Eletronorte, como compensação pelos impactos ambientais causados pelo lago de Balbina. Hoje, eles somam 1.612 pessoas. Em 2010, segundo dados do Censo, quase a metade deles tinha até 9 anos de idade. O contrato de financiamento da Eletronorte ao Programa Waimiri Atroari, que durou 25 anos, termina este ano.
Também há denúncias de que os Waimiris tenham sido alvo, no passado, de sucessivos massacres. “Os civilizados são bravos. Mataram-nos. De noite os civilizados vinham”. “O pai de Mauro morreu. O irmão mais velho da mulher de Mauro morreu. Civilizados os eliminaram. Atingiram-nos na testa”. Reunidos na tese de doutorado do antropólogo Stephen Baines, feita após um período de 18 meses vivido junto com os Waimiris Atroaris, entre 1983 e 1985, os comentários dos índios carecem até hoje de esclarecimento: quantos foram os mortos, e como os civilizados dizimaram os indígenas que viviam em dois grupos entre o Amazonas e Roraima — um na Bacia dos rios Atumã e Camenau, chamados de Waimiris; outro às margens dos rios Alalau e Jauaperi, identificados como Atroaris.
Um inquérito aberto pelo Ministério Público do Amazonas investigará as mortes, que também estão sendo apuradas pela Comissão Nacional da Verdade. Um relatório do Comitê da Verdade do Amazonas, organizado pelo indigenista Egydio Schwade, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), fala em pelo menos dois mil mortos. A estimativa do antropólogo José Porfírio de Carvalho, que integrou a Frente de Atração e criou na década de 80 o Programa Waimiri Atroari, é que pelo menos 1.100 índios perderam a vida entre a década de 70 e meados de 80.
— Se contei 1.500 índios no fim da década de 70 e restaram apenas 374 no início dos anos 80, morreu no mínimo essa diferença. Morreram de doença e morreram à bala. E armado lá quem estava era o Exército — afirma Carvalho.
Qualquer que seja o número, a morte em massa dos Waimiris Atroaris indica que, por violência ou doenças, um único grupo de brasileiros foi vítima, durante o regime militar, do maior genocídio que se tem notícia no Brasil.
Os índios mortos são, na contagem mais baixa, mais que o dobro dos 457 mortos ou desaparecidos pelos critérios da Comissão da Anistia e da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Ou dez vezes mais do que os 111 presos mortos no Massacre do Carandiru em São Paulo.
A morte dos Waimiris Atroaris começou com a abertura da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista. A tese de Baines relata detalhes da atuação da Funai para retirar os índios das áreas de interesse do governo, numa ação denominada Frente de Atração, e o ingresso do 6º Batalhão de Engenharia de Construção (6° BEC) para garantir a abertura da estrada na área ocupada pelos índios. Os Waimiris Atroaris, descritos como altos (1,80 m), fortes e valentes, reagiram até o fim.
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