Não é fácil tecer uma rede. Precisa paciência, cuidado. Precisa espera, olhar atento. Ainda mais se esta rede não for de pesca e sim um outro tipo de rede. Uma rede com ‘R’ maiúsculo, como a Rede de Educação Cidadã (Recid), uma Rede que lida com pessoas, lideranças sociais, militantes populares, educadoras e educadores, e que acaba de realizar o seu 11º Encontro Nacional, na Chácara do Cimi, em Luziânia.
O Encontro Nacional, com presença e participação de educadores e educadoras vindos de todos os estados brasileiros e representação de movimentos sociais, fez uma análise da conjuntura brasileira, latino-americana e mundial. “Vivemos um período de extrema efervescência política, econômica e social, em meio a uma crise econômica global do capitalismo. No início do século XXI, a chama das lutas populares toma as ruas e praças das grandes cidades, sob novas formas, com gritos de ordem antiglobalização e pela democratização. Não é só mais ‘proibido proibir’. O sentimento do ‘nada a perder e nem esperar’, somado às questões ambientais, move a sociedade contemporânea, especialmente os jovens, e fortalece as lutas e mobilizações”.
Neste contexto contraditório, perguntam os participantes do encontro: “Qual papel devem desempenhar os educadores populares da Rede de Educação Cidadã para fortalecer um Projeto Popular para o Brasil?” Responde o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, na sua passagem pelo encontro: “Eu acompanho a história da Recid desde que o Frei Betto criou com vocês o Talher, quando eu estava na Chefia de Gabinete do Presidente Lula e agora, no governo Dilma, na Secretaria Geral da Presidência. Se eu pudesse definir o trabalho de vocês, me permitam retomar uma figura do Evangelho, o fermento na massa, do fermento silencioso, sem aparecer nada, quase se confundindo com a massa, mas fazendo-se massa. Quando cresce o pão, o fermento desaparece, mas no silêncio daquela massa vai levedando, fazendo com que a massa cresça. Assim eu enxergo o trabalho de vocês. E insisto. Vocês têm uma enorme responsabilidade, que é manter viva essa ch ama, essa teimosia da afirmação de que de fato, não na retórica, não na poesia, mas na prática, é possível construir uma nova sociedade, uma nova relação, um novo homem, uma nova mulher, um novo jovem e assim por diante. Dentro daquilo que a gente chama de um projeto de fato sustentável para o Brasil, para a América Latina”.
O 11º Encontro da Recid definiu cinco desafios estratégicos de 2012 a 2014: 1. Fortalecer as lutas contra os impactos do modelo neodesenvolvimentista, a partir do Projeto Popular para o Brasil. 2. Fortalecer as lutas contra o processo de exclusão sócio-territorial nos centros urbanos. 3. Fortalecer as organizações e lutas contra todas as opressões e discriminações, com especial destaque às que atingem a juventude e as mulheres. 4. Radicalização da democracia. 5. Fortalecimento de ações que acumulem para o Projeto Popular para o Brasil.
Durante o encontro, no silêncio das madrugadas da Chácara do Cimi, foi tecida uma grande colcha, juntando as pequenas colchas que cada um dos participantes trouxe de seu Estado, cheias de desenhos, pinturas, palavras, versos e mensagens. Escrevi esta poesia, declamada na mística final:
Uma colcha pode ser/abrigo nas noites de frio./ Esquenta pés e mãos,/ recolhe os amores escondidos do vento./ Uma colcha é a tenda das crianças/que precisam dormir/quando a noite desce/ e o silêncio se faz aconchegante.
Uma colcha é tantas coisas./ Mas quando viaja milhares de quilômetros,/ quando cruza rios, riachos, florestas,/ atravessa cercas e aramados,/ sobrevoa latifúndios;/ quando a colcha junta-se a tantas outras colchas,/ cada uma vinda de uma comunidade,/ de um quilombo,/ de uma aldeia,/ de uma vila ou bairro,/ Cada uma prenhe de lutas,/ tecida com sonhos,/ acarinhada de mensagens/ e palavras de vida,/ essa colcha torna-se uma colcha gigante.
Esta colcha não é mais qualquer colcha,/ não são mais apenas retalhos/ ou pedaços de colcha juntados, colados lado a lado./ Esta colcha acumula/ caminhos feitos de dores,/ às vezes espinhos e agulhas que feriram os dedos,/ outras vezes balas que atravessaram a pelo,/ o corpo, até mataram.
Esta colcha, mais que tudo,/ está cozida de compromissos,/ encharcada de unidade./ É cansaço reunido na praça de alegria./ Nela cabem encontros feitos de esperança,/ como o décimo primeiro nacional,/ oficinas de sonhos debaixo de árvores,/ nas barrancas dos rios,/ Na beira das estradas,/ no calor dos assentamentos e acampamentos,/ no aconchego das escolas de formação,/ das igrejas e salões de comunidade.
Uma colcha assim, freireanamente terzida,/ traz cheiros de mudança,/ rastros de profundas transformações/ na vida de cada uma, cada um,/ nas teias opressoras da sociedade.
A colcha cheia de aromas e flores,/ nomes e histórias de quem a costurou,/ costura, costurará,/ celebra a fraternidade, / sintetiza o trabalho comum e solidário,/ festeja o cuidado,/ canta a liberdade,/ de irmãs e irmãos,/ companheiros e companheiras.
A colcha diz, grita, proclama:/ Viva a Rede de Educação Cidadã!/ Viva os pobres, os trabalhadores e trabalhadoras,/ os quilombolas, os indígenas, negros e negras,/ os jovens, as mulheres, educadoras e educadores,/ a gente oprimida deste país,/ estes rostos de sonho e de fé/ que protagonizam a história/ e não se deixam derrubar pelos poderosos da ocasião.
A colcha anuncia:/ Viva o Brasil popular de todas e todos,/ iguais, diferentes,/ ninguém mais que ninguém,/ todas e todos abraçados a todas e todos,/ lutadoras e lutadores do Brasil,/ da América Latina e do planeta terra”.
Como disse o ministro Gilberto Carvalho no encontro: “É fundamental o cuidar no sentido humano, o cuidar das pessoas, o cuidado do afeto do crescimento da integralidade do ser humano e o cuidar da natureza. Essa relação em que você pode, sim, crescer, pode, sim, fazer infraestrutura, pode fazer estrada, pode fazer energia elétrica, mas pode fazê-lo preservando, respeitando a natureza, salvando o futuro das próximas gerações. Vocês sabem melhor do que eu que temos um projeto que vai muito além de um governo. O nosso projeto de construção de uma nova sociedade não pode ficar limitado ao projeto de um governo. Ele tem que exigir a utopia. É exatamente a perseguição constante de um ideal, de um sonho”.
Uma colcha de muitos pedaços, vindos de todos os cantos e esquinas do Brasil e da América Latina, feita por muitas mãos: uma colcha de vida, de lutas, de sonhos.
*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República
O Encontro Nacional, com presença e participação de educadores e educadoras vindos de todos os estados brasileiros e representação de movimentos sociais, fez uma análise da conjuntura brasileira, latino-americana e mundial. “Vivemos um período de extrema efervescência política, econômica e social, em meio a uma crise econômica global do capitalismo. No início do século XXI, a chama das lutas populares toma as ruas e praças das grandes cidades, sob novas formas, com gritos de ordem antiglobalização e pela democratização. Não é só mais ‘proibido proibir’. O sentimento do ‘nada a perder e nem esperar’, somado às questões ambientais, move a sociedade contemporânea, especialmente os jovens, e fortalece as lutas e mobilizações”.
Neste contexto contraditório, perguntam os participantes do encontro: “Qual papel devem desempenhar os educadores populares da Rede de Educação Cidadã para fortalecer um Projeto Popular para o Brasil?” Responde o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, na sua passagem pelo encontro: “Eu acompanho a história da Recid desde que o Frei Betto criou com vocês o Talher, quando eu estava na Chefia de Gabinete do Presidente Lula e agora, no governo Dilma, na Secretaria Geral da Presidência. Se eu pudesse definir o trabalho de vocês, me permitam retomar uma figura do Evangelho, o fermento na massa, do fermento silencioso, sem aparecer nada, quase se confundindo com a massa, mas fazendo-se massa. Quando cresce o pão, o fermento desaparece, mas no silêncio daquela massa vai levedando, fazendo com que a massa cresça. Assim eu enxergo o trabalho de vocês. E insisto. Vocês têm uma enorme responsabilidade, que é manter viva essa ch ama, essa teimosia da afirmação de que de fato, não na retórica, não na poesia, mas na prática, é possível construir uma nova sociedade, uma nova relação, um novo homem, uma nova mulher, um novo jovem e assim por diante. Dentro daquilo que a gente chama de um projeto de fato sustentável para o Brasil, para a América Latina”.
O 11º Encontro da Recid definiu cinco desafios estratégicos de 2012 a 2014: 1. Fortalecer as lutas contra os impactos do modelo neodesenvolvimentista, a partir do Projeto Popular para o Brasil. 2. Fortalecer as lutas contra o processo de exclusão sócio-territorial nos centros urbanos. 3. Fortalecer as organizações e lutas contra todas as opressões e discriminações, com especial destaque às que atingem a juventude e as mulheres. 4. Radicalização da democracia. 5. Fortalecimento de ações que acumulem para o Projeto Popular para o Brasil.
Durante o encontro, no silêncio das madrugadas da Chácara do Cimi, foi tecida uma grande colcha, juntando as pequenas colchas que cada um dos participantes trouxe de seu Estado, cheias de desenhos, pinturas, palavras, versos e mensagens. Escrevi esta poesia, declamada na mística final:
Uma colcha pode ser/abrigo nas noites de frio./ Esquenta pés e mãos,/ recolhe os amores escondidos do vento./ Uma colcha é a tenda das crianças/que precisam dormir/quando a noite desce/ e o silêncio se faz aconchegante.
Uma colcha é tantas coisas./ Mas quando viaja milhares de quilômetros,/ quando cruza rios, riachos, florestas,/ atravessa cercas e aramados,/ sobrevoa latifúndios;/ quando a colcha junta-se a tantas outras colchas,/ cada uma vinda de uma comunidade,/ de um quilombo,/ de uma aldeia,/ de uma vila ou bairro,/ Cada uma prenhe de lutas,/ tecida com sonhos,/ acarinhada de mensagens/ e palavras de vida,/ essa colcha torna-se uma colcha gigante.
Esta colcha não é mais qualquer colcha,/ não são mais apenas retalhos/ ou pedaços de colcha juntados, colados lado a lado./ Esta colcha acumula/ caminhos feitos de dores,/ às vezes espinhos e agulhas que feriram os dedos,/ outras vezes balas que atravessaram a pelo,/ o corpo, até mataram.
Esta colcha, mais que tudo,/ está cozida de compromissos,/ encharcada de unidade./ É cansaço reunido na praça de alegria./ Nela cabem encontros feitos de esperança,/ como o décimo primeiro nacional,/ oficinas de sonhos debaixo de árvores,/ nas barrancas dos rios,/ Na beira das estradas,/ no calor dos assentamentos e acampamentos,/ no aconchego das escolas de formação,/ das igrejas e salões de comunidade.
Uma colcha assim, freireanamente terzida,/ traz cheiros de mudança,/ rastros de profundas transformações/ na vida de cada uma, cada um,/ nas teias opressoras da sociedade.
A colcha cheia de aromas e flores,/ nomes e histórias de quem a costurou,/ costura, costurará,/ celebra a fraternidade, / sintetiza o trabalho comum e solidário,/ festeja o cuidado,/ canta a liberdade,/ de irmãs e irmãos,/ companheiros e companheiras.
A colcha diz, grita, proclama:/ Viva a Rede de Educação Cidadã!/ Viva os pobres, os trabalhadores e trabalhadoras,/ os quilombolas, os indígenas, negros e negras,/ os jovens, as mulheres, educadoras e educadores,/ a gente oprimida deste país,/ estes rostos de sonho e de fé/ que protagonizam a história/ e não se deixam derrubar pelos poderosos da ocasião.
A colcha anuncia:/ Viva o Brasil popular de todas e todos,/ iguais, diferentes,/ ninguém mais que ninguém,/ todas e todos abraçados a todas e todos,/ lutadoras e lutadores do Brasil,/ da América Latina e do planeta terra”.
Como disse o ministro Gilberto Carvalho no encontro: “É fundamental o cuidar no sentido humano, o cuidar das pessoas, o cuidado do afeto do crescimento da integralidade do ser humano e o cuidar da natureza. Essa relação em que você pode, sim, crescer, pode, sim, fazer infraestrutura, pode fazer estrada, pode fazer energia elétrica, mas pode fazê-lo preservando, respeitando a natureza, salvando o futuro das próximas gerações. Vocês sabem melhor do que eu que temos um projeto que vai muito além de um governo. O nosso projeto de construção de uma nova sociedade não pode ficar limitado ao projeto de um governo. Ele tem que exigir a utopia. É exatamente a perseguição constante de um ideal, de um sonho”.
Uma colcha de muitos pedaços, vindos de todos os cantos e esquinas do Brasil e da América Latina, feita por muitas mãos: uma colcha de vida, de lutas, de sonhos.
*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República
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