Enquanto as Forças Armadas (FFAAs) não assumirem, nem se desculparem com a Nação pelo erro cometido ao deflagrar o golpe cívico-militar de 1964 e pelos crimes que parte dos seus cometeram nos 21 anos da ditadura, maior risco de integrantes que viveram e participaram dos fatos naquele período começarem a entregar os que entre eles cometeram crimes de prisões arbitrárias, torturas, banimentos, assassinatos e desaparecimento de corpos, dentre outros, dos que resistiram ao regime.
Enquanto as FFAAs continuam a manter seus arquivos lacrados, a dizer que não os têm mais e a pronunciar qualquer palavra a respeito desses crimes, militares continuam falando. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o capitão da Força Aérea Brasileira (FAB), Álvaro Moreira de Oliveira Filho, disse que o corpo de Stuart Edgard Angel foi enterrado pelos militares da Aeronáutica na Base Aérea de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio.
O primeiro depoimento de Álvaro foi prestado em setembro de 2013, confirmado em fevereiro e junho deste ano, e abre uma nova linha na investigação sobre o paradeiro do corpo do militante do MR-8, até hoje integrante da lista de desaparecidos políticos. Até agora o destino dado ao corpo de Stuart era desconhecido.
Zuzu Angel também teve morte suspeita: assassinada pela ditadura
Filho da estilista Zuzu Angel (cuja morte também é envolta em suspeita de ter sido cometida pela ditadura), Stuart foi preso em 14 de maio de 1971 e, conforme testemunhas, torturado até a morte na Base Aérea do Galeão – amarrado, com a boca no cano de escapamento de um jeep e arrastado no pátio até a morte. De lá, de acordo com o depoimento do capitão Álvaro à CNV, foi levado para a Base Aérea de Santa Cruz e enterrado na cabeceira da pista por um grupo de militares que deram ordens a um sargento, controlador de voo, que interrompesse o tráfego aéreo no local.
Agora, para obter mais detalhes, a CNV vai intimar para depor comandantes da Aeronáutica e da Base Aérea de Santa Cruz, ainda vivos. “O depoimento é bastante verossímil. O capitão está bastante lúcido. Agora contamos com a ajuda da Aeronáutica para elucidar esses fatos”, previu o ex-deputado Pedro Dallari, coordenador nacional da CNV.
A CNV fará um requerimento formal à Aeronáutica, pedindo informações sobre a ocultação do corpo de Stuart na instalação militar. “É fundamental que a Aeronáutica nos ajude. Somos órgão público e não faz sentido que outro órgão público negue informações”, completou Dallari, acrescentando que os atuais comandantes da Força não têm ligação com as torturas e mortes ocorridas na ditadura (1964-1985).
O depoimento do capitão Álvaro
Nos depoimentos à CNV, o capitão Álvaro contou ter ouvido do sargento José do Nascimento Cabral (já morto) a versão a respeito do enterro do corpo de Stuart. Nascimento era controlador de voo na Base de Santa Cruz e estava de plantão na noite em que houve a visita de um grupo de oficiais comandado pelo brigadeiro João Paulo Moreira Burnier (1919-2000), então à frente do 3.º Comando Aéreo Regional (COMAR). Burnier teria ordenado, então, o fechamento da pista – a de número 10, de acordo com o depoimento de Moreira.
Nascimento contou ao amigo que, a partir da torre de controle, conseguiu observar o enterro de uma pessoa na cabeceira da pista, “um local em que ninguém vai”; “que só é interditado em caso de acidente”. Álvaro prosseguiu: “Depois ficou-se sabendo que estavam enterrando um corpo de um, como na época se chamava, subversivo. Depois vieram os detalhes: que foi o coronel Cabral, comandante do Galeão, junto com ele (Burnier). E que era o filho de Zuzu Angel”, contou o capitão Álvaro, no depoimento gravado na semana passada.
O capitão foi cassado logo após o golpe militar e teve contato com José do Nascimento Cabral até a morte do sargento, provocada por câncer. À CNV, o capitão tocou no assunto pelo menos duas ocasiões: ele procurou a Comissão por e-mail e por uma rede social para narrar o episódio. “Eu me sinto com o dever cumprido”, afirmou.
Outros oficiais da Aeronáutica serão intimados a depor
A CNV já confirmou que o sargento José do Nascimento Cabral trabalhava na Base Aérea de Santa Cruz em maio de 1971. O secretário executivo da Comissão, André Saboia, revelou aos jornalistas que a CNV ouviu o depoimento de um militar (cujo nome ainda não pode ser revelado), que confirma que a Base de Santa Cruz era usada como centro de tortura clandestino e para ocultação de corpos.
“Precisamos da colaboração intensa da Aeronáutica para ter informações sobre os fatos. Há comandantes vivos da Base Aérea de Santa Cruz e da Base Aérea do Galeão. Eles poderão dar informações mais precisas para estas buscas, utilizando as tecnologias mais modernas, como radar de solo”, encareceu Saboia.
“O que eu espero é que eles (os militares) revelem a verdade e deem paz às famílias”, disse a jornalista Hildegard Angel, irmã de Stuart Angel. Emocionada com a divulgação da notícia pela CNV, Hildegard desabafou: “Enfim tenho informações que me parecem objetivas a respeito do paradeiro dos restos mortais do meu irmão.” Ela disse esperar que os oficiais que atuavam à época e estão sendo localizados pela CNV também falem sobre o destino dado a seu irmão.
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