Por Egydio Schwade
Acompanhando uma equipe de TV-alemã, tive a oportunidade de presenciar uma incrível e heroica ação de um grupo de Yanomami na retirada e destruição de garimpos ilegais em suas terras. Cansados de esperar que o Estado Brasileiro cumpra seu dever de proteger as suas terras, essa gente se arrisca em defesa de seu povo, território e da natureza, que é a garantia de suas e nossas vidas e culturas.
Doze índios Yanomami, metade armada de arco e flecha e metade com velhas espingardas, espólio de garimpos já destruídos, com o apoio de três funcionários da FUNAI, mais Floriano, cineasta de São Paulo, Daniel, da TV-alemã, Erick de Manacapuru e eu como convidados. O objetivo da expedição era a destruição de mais dois garimpos nos confins de suas terras, próximo à Venezuela. Um pouco mais de uma hora de voo num velho Cesna, mais dois dias de viagem em três pequenas embarcações e uma hora e meia de caminhada pela floresta e estávamos todos diante do primeiro garimpo em plena atividade com o “tu, tu, tu” de seus dois possantes motores em pleno funcionamento, puxando lama e água por sobre um jirau. E lá no fundo do buraco seis garimpeiros mourejando no barro.
Era aproximadamente uma hora da tarde quando 8 índios cercaram os garimpeiros e deram o grito de guerra, enquanto os 4 restantes ficaram escondidos no entorno para surpreender algum fugitivo. Apenas um reincidente tentou a fuga, mas foi imediatamente cercado e capturado. Os prisioneiros foram conduzidos até um rancho coberto de lona plástica. Ali ficaram guardados por 4 Yanomami e seus pertences examinados por um funcionário da Funai, enquanto os demais se dirigiram imediatamente em direção a outro garimpo não muito distante dali, pois se ouvia nitidamente a batida de mais motores. Ali repetiu-se a cena e mais 5 garimpeiros foram presos.
Seguiu-se a destruição dos equipamentos, iniciando pelos motores. Para isto serviram picaretas e machados encontrados ali mesmo. Depois os jirais de lavagem, mangueiras e os tapetes de coleta do ouro. E finalmente, a queima dos barracos. O mercúrio encontrado com os garimpeiros foi entregue para os agentes da FUNAI para ser levado às autoridades como prova de mais um crime ambiental.
Com todos os demais pertences dos garimpeiros ensacados como espólio, os índios iniciaram um verdadeiro processo pedagógico de reeducação dos garimpeiros para que ninguém deles mais ousasse repetir a ação ilegal na qual estiveram envolvidos.
Sempre de armas na mão, agora com mais duas espingardas apreendidas, reuniram os prisioneiros. E, apesar do avançado da hora e a grande distancia a ser ainda vencida até a aldeia, dois tuxauas fizeram um longo discurso, no qual lhes descreveram o mal que estavam praticando a seu povo, poluindo as suas águas e depredando a sua floresta, seus rios e caça. Finalizaram com advertências e ameaças caso voltassem de novo. Mas esta primeira etapa do processo de reeducação terminou com um ato de humanidade: a soltura de um dos garimpeiros para que procurasse a sua mulher, a única mulher no meio do grupo, que apavorada com os gritos dos índios na hora do ataque se embrenhara na floresta. Exigiram, entretanto, que o mesmo se apresentasse ao tuxaua de determinada aldeia e no Posto da FUNAI. Na caminhada de volta até as embarcações, coube a mim carregar uma cartela de ovos do espólio.
Desanimados com a lentidão ou omissão das autoridades policiais, os índios estão tomando a arriscada iniciativa da expulsão dos garimpeiros de suas terras. Aos 78 anos de idade, acompanhando apenas como elemento de apoio, sem arma nas mãos, pude testemunhar, de como seria fácil para o Ministério da Justiça, com Serviço de Inteligência, Exército e Polícia sob seu comando e um mínimo de vontade e consciência política, cumprir seu dever cívico, de acabar com os garimpos ilegais nas terras indígenas, este angustiante problema de tantos povos nesta região amazônica. Alias para quem dispõe de um Serviço de Inteligência nem careceria todo esse esforço que nos levou até os confins da fronteira com a Venezuela. Resolveria o problema pela raiz em Boa Vista.
Mas ao contrário, está aí o flagrante de dezenas de deputados federais da base aliada, integrados na bancada ruralista, tramando com o tal PLP de número 227/2012, como os portugueses e espanhóis o fizeram durante todo o período colonial, contra as leis do Estado e contra a consciência da humanidade, saqueando as riquezas minerais dos povos indígenas e transferindo-as aos países ricos como comodities.
De Roraima me dirigi à outra reserva indígena. Desta vez ao Leste do Pará, a reserva do Alto Guamá dos índios Tenetehara ou Tembé. Acompanhando o Tuxaua Valdeci, aquele que em dezembro último foi notícia nacional, quando sobreviveu a um ataque e tentativa de sequestro de invasores e cultivadores de maconha no município de Nova Esperança do Piriá. Escapou embrenhando-se pela floresta, onde permaneceu escondido durante três dias. A floresta da reserva já está em 50% destruída por madeireiros que também já detonaram toda a mata ao redor da Terra Indígena, inclusive ao longo dos rios e igarapés. Agora ameaçam o que restou das áreas indígenas do Alto Guamá e Rio Capim. Para o Governo flagrar os invasores não é necessário grande esforço. É só alguns funcionários sacrificarem umas noites de sono e trafegar pela estrada de terra de Paragominas até a aldeia do Cajueiro dos índios Tenetehara ou, de dia mesmo, sair de Paragominas rumo ao Rio Capim, atravessar a balsa e já se defronta com a destruição instalada em enormes serrarias ou, ambulante, sobre carretas carregadas com montanhas de toras.
A covardia do Governo na defesa dos povos e populações necessitados de um mínimo de auxílio raia a inutilidade desse poder de Estado, quando se trada dos direitos dessa gente. Deixem suas modernas armas em mãos dos índios que eles mesmos farão o que é dever primeiro do Exército e da Polícia: a defesa dos mais fracos e da Constituição do País.
Que desenvolvimento é esse que destrói o ambiente, o bem-viver dos povos e o futuro da humanidade?
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