A sociedade brasileira que durante muitos anos conviveu com o mito de que era um paraíso racial, têm nos últimos anos alterados sua postura e passado a voltar os olhos para atitudes, formas de interpretar e conceber o diferente, sobretudo quando começa a perceber que o preconceito e o racismo fazem parte do cotidiano de sua população. Mesmo quando estes, aparecem incutidos nas brincadeiras, nas piadas, nos ditos populares, e que nem sempre se considera que se está alimentando e reforçando posturas preconceituosas e racistas que influenciarão as próximas gerações.
Admitir isto mexe com brancos e negros e faz com que os envolvidos tenham que sair de sua zona de conforto. Expressiva parte da elite e da classe média preferem continuar negando a existência da desigualdade racial, do racismo como fonte de exclusão de grande parte da população. Vive-se hoje um momento único no qual conceitos tem que ser repensados e mitos têm sido colocados em dúvida. Boa parte da população só agora toma consciência do processo de exclusão que atingia e ainda atinge as chamadas minorias (comprovadamente maiorias) étnico raciais.
Os movimentos sociais que sempre foram fonte de discussão e resistência se constituem como espaços de reflexão e busca de conhecimento. Eles tomam por base “que quem não sabe de onde veio não sabe o que pode almejar no futuro”.
Setores governamentais como: a educação, nos seus diferentes níveis têm colocado em suas pautas, projetos e programas, a importância de operacionalizar politicas que levem a população negra e indígena a conseguir resgatar o atraso histórico ao qual foram levados pela escravização, perda de valores tradicionais, cultura e por que não dizer identidade.
Tais ações não são gratuitas, nem acontecem por acaso, organismos mundiais como a Organização das Nações Unidas tem provocado conferencias mundiais que resultam em pactos internacionais que tem como foco o resgate da dignidade, universalidade de direitos e satisfação equitativa das necessidades humanas para a população como um todo. Posto isto, cabe lembrar que o Brasil é signatário de acordos e cartas que visam à efetiva extinção do preconceito e racismo em nossa sociedade. Tratados assinados na Conferência de Durban-África do Sul, em 2001 foram significativos para o país e seu povo.
O presente texto tem por função servir de apoio para grupos de discussão, consequentemente deve clarificar principalmente os conceitos de preconceito e racismo, para que se fortaleçam posturas que levem a população a rejeitar ações discriminatórias, vexatórias e humilhantes que muitas vezes, por falta de conhecimento, chegam a penalizar aquele que foi discriminado.
O Programa Nacional de Direitos Humanos, com base em Bento considera que:
Preconceito significa um prejulgamento, uma maneira de se chegar a uma conclusão antes de qualquer análise. É uma atitude, um fenômeno intergrupal, dirigido a pessoas ou grupo de pessoas, implica uma predisposição negativa, sempre contra alguém, é sempre algo ruim. [...] é uma atitude que viola simultaneamente três normas básicas: a norma da racionalidade, a da afeição humana e a da justiça. (PNDH, 2001)
Nei Lopes, em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana assinala que preconceito é: “Atitude desfavorável para com um grupo ou indivíduos que nele se inserem, baseada não em seus atributos reais, mas em crenças estereotipadas. O preconceito racial é uma das molas propulsoras do racismo”.
O racismo traz em si a ideia de superioridade de uma raça sobre outra, desconsidera que o ser humano recebe influencias sócio culturais que condicionam suas ações. Assim, preconizado no artigo I da Declaração das Nações Unidas na luta pela eliminação de qualquer forma de discriminação:
Discriminação racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou intenção de impedir ou dificultar o reconhecimento e exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública. (DNU, 2001)
.O Programa Nacional de Direitos Humanos agora com base em Essed vale-se do presente conceito:
Racismo é uma ideologia, uma estrutura e um processo pelo qual grupos específicos, com base em características biológicas e culturais verdadeiras ou atribuídas, são percebidos como uma raça ou grupo étnico inerentemente diferente e inferior. Tais diferenças são, em seguida, utilizadas como fundamento lógico para se excluírem os membros desses grupos do acesso a recursos materiais e não materiais. [...] ele opera por meio de regras, práticas e percepções individuais, mas por definição, não é uma característica de indivíduos. (PNDH, 2001)
Portanto, combater o preconceito e o racismo significa lutar por uma sociedade mais justa e equânime. Segue uma relação de leis que formam o marco legal da luta contra o racismo e o preconceito racial no Brasil.
1. Lei nº 581 de 4 de setembro de 1850, conhecida como: Lei Eusébio de Queiroz, o Brasil proibiu qualquer navio negreiro aportar em terras brasileiras.
2. Lei n.º 2040 de 28 de setembro de 1871 e a Lei n.º 3270 de 28 de setembro de 1885, Lei do Ventre Livre e Lei do Sexagenário.
3. Em 24 de maio 1884, o presidente Teodoreto Souto declarou extinta a escravidão na capital amazonense. E em 10 de julho de 1884 foi extinta a escravidão em toda a província Amazonas. i
4. A Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei Áurea, acaba com a escravidão no Brasil.
5. Lei 1.390 de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos, que surge no ordenamento jurídico pátrio como a primeira legislação a tipificar o racismo. É relevante mencionar que não consta revogação expressa à Lei Afonso Arinos, contudo a Lei nº 7.437, de 20/12/1985, deu nova redação a esta lei, e só com o advento da Lei 7.716/89 deixaria de ser aplicada.
6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 foi efetivada, de maneira pioneira no universo das Constituições, a criminalização do racismo, in verbis: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. A discriminação é proibida expressamente, como consta no art. 3º, IV da Constituição Federal, onde se dispõe que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Proíbe-se, também, a diferença de salário, de exercício de fundações e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, estado civil ou posse de deficiência (art. 7º, XXX e XXXI) e ainda em seu artigo 4º, VIII, CF, externa-se o repudio ao racismo, também nas relações internacionais.
7. A Constituição do Estado do Amazonas mencionou no artigo 83 do Capítulo VI, Das Funções Essenciais à Justiça; e o artigo 224 do Capítulo X, Da Comunicação Social, a disposição do Estado do Amazonas em combater o preconceito e a discriminação racial.
8. A Lei Orgânica do Município de Manaus manifestou de contrariedade ao preconceito e a discriminação racial, no Título II, Da Competência Municipal, Art. 11. O município, na forma do artigo 5 da Constituição da República, não permitirá discriminação de qualquer natureza.
9. Lei 7.716/89 incluiu a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia na categoria de crimes e vigora até os dias atuais. A Lei 7.716/89 surgiu para regulamentar o inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Esta lei foi alvo de inúmeras alterações, tendo na Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997 suas principais modificações, pois esta acrescentou o parágrafo o 3º, ao artigo 140 do Código Penal e modificou os artigos 1º e 20, e revogou o artigo 1º da Lei n. 8.081 e a Lei n. 8.882/94.
10. Lei 9.459/97 houve o acréscimo do parágrafo terceiro ao artigo 140 do Código Penal, criando a figura da injúria qualificada.
11. Lei nº 188, de 14 de julho de 2007, no âmbito municipal que instituiu o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra no município de Manaus.
12. Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial da ONU.
13. Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003 sobre a inclusão do Ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, e dá outras providencias.
14. Lei 12.288, de julho de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial.
Apesar da legislação acerca do tema não ser tão ampla, é possível se ter o entendimento de que alguns pontos na atualidade emergem com mais efervescência nos debates raciais, dos quais seria possível mencionar os itens 6, 9, 10, 13,14, como pontos de partida para aqueles que quiserem se aprofundar no tema.
*Texto produzido pelo Fórum Permanente de Afrodescendentes do Amazonas-FOPAAM.
Autores: Arlete Anchieta (92)96020990/ arletefsdb@hotmail.com, Gláucio da Gama (92)92304061/ dagamadiversidade@hotmail.com e Adjailson Silva Figueira de Souza (92)88392371/ adjailson.figueira@hotmail.com