Você sabe o que come? Nós sabemos o que comemos? Eu sei de onde vêm a cenoura, o feijão, o arroz, o repolho, o frango, a cenoura, o tomate? Quem os planta e produz e os faz chegar à minha/nossa mesa todos os dias?
Este ano é mesmo um ano muito especial. Ano de Copa do Mundo depois de 64 anos (a primeira Copa de que tenho lembrança foi a de 1958, que ouvi no velho e grande rádio de papai Léo, aboletado na cozinha de casa, de som tronitruante e limpo), ano de eleições.
Ano também dos 50 anos do golpe militar de 1964 (lembrar muito e sempre, para que nunca mais aconteça), 30 anos das Diretas-Já (a democracia voltando a florir, felizmente até hoje, período mais longo da história brasileira).
E 2014 é o Ano Internacional da Agricultura Familiar.
O Ano Internacional da Agricultura Familiar (Aiaf) é fruto da iniciativa de movimentos sociais do campo, com apoio de vários governos, especialmente o brasileiro. Em 2008, iniciaram uma campanha para que as Nações Unidas adotassem a proposta de um Ano Internacional da Agricultura Familiar. Em 2011, A Assembleia Geral da ONU, por unanimidade, declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, dando mandato à Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para implementar o Aiaf 2014.
O Aiaf é o primeiro ano internacional da ONU promovido pela sociedade civil, por mais de 360 organizações de 60 países dos 5 continentes. No Brasil, é o Ano da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena, organizado pelo Comitê Brasileiro do Aiaf 2014, composto por 49 entidades, 31 da sociedade civil e 18 do governo federal. Cabe ao comitê, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), planejar, propor, promover, articular, organizar as atividades do Aiaf. Informações: Clique aqui.
Por que o Aiaf é tão importante? Há hoje 1,5 bilhão de pessoas em 380 milhões de estabelecimentos rurais, 800 milhões com hortas urbanas, 410 milhões em florestas e savanas, 190 milhões de pastores e mais de 100 milhões de pastores camponeses. Dentre todos estes, 370 milhões de indígenas. Juntos, estes 3 bilhões de agricultores familiares, camponeses e indígenas constituem mais de um terço da humanidade e produzem 70% dos alimentos do mundo. Sim, o número está certo: 70% dos alimentos do mundo.
No Brasil, os agricultores familiares respondem por 84,4% dos estabelecimentos do país, ocupam 24,3% da área cultivada e empregam 74,4% da mão de obra do setor agropecuário. Mesmo com pouca área, a agricultura familiar produz 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 34% do arroz, além de 58% do leite, 50% das aves e 59% dos suínos.
Os cerca de 5 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, que representam 83% do total de estabelecimentos agropecuários dos países dos Mercosul, produzem a maioria dos alimentos produzidos na região e são os principais responsáveis pelas ocupações no campo.
A agricultura familiar, camponesa e indígena produz 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Isto é, o tomate que eu como, nós comemos, as verduras, as frutas, o milho, o arroz, o feijão, as carnes, até a cachaça e o vinho, vêm do suor e do trabalho de agricultores familiares, de camponeses e indígenas.
A 4ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional + 2, acontecida na semana passada, em Brasília, fez um balanço das decisões da 4ª Conferência de SAN e da execução do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan). Semana retrasada, a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo) apresentou à Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) o primeiro balanço do recém lançado Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo).
Representantes governamentais e de movimentos sociais, redes, ONGs, fóruns e articulações valorizam a agricultura familiar, camponesa e indígena e celebram o Aiaf 2014. E querem alimentação adequada e saudável, sem agrotóxicos, sem venenos, não transgênicos. Querem cultivar a vida e a qualidade de vida, querem a produção cooperada e, portanto, um projeto de desenvolvimento com justiça social e ambiental, distribuição de renda, respeito à natureza, direitos plenos a mulheres e jovens, terra para todos e todas.
A agricultura familiar, camponesa e indígena, em especial a de base agroecológica e orgânica, é referência de valores comunitários e cooperados, de alimentos saudáveis, de sujeitos de direitos, de uma nova sociedade. Este é mesmo um ano abençoado: para celebrar, para decidir o futuro, para cuidar da vida e do planeta, para dizer obrigado aos/as agricultores/as familiares, camponeses/as e indígenas. Eu sei o que como. Eu sei quem produz o que como.
* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República, secretário executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e membro do Comitê Brasileiro do Aiaf 2014.
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