Acolhendo as denúncias dos movimentos populares sobre as remoções forçadas de comunidades para obras da Copa, o Conselho de Defesa do Direito da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria dos Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho Moradia Adequada em uma inciativa inédita. O GT, criado em agosto, vai recolher informações sobre os problemas de moradia enfrentados pela população, com foco nos impactos de megaprojetos e megaeventos, e encaminhar recomendações aos Municípios e Estados.
Em entrevista ao Copa Pública, o professor e conselheiro do CDDPH, Eugênio Aragão, confirma que a criação do GT é fruto da mobilização da sociedade e da cobrança dos movimentos populares, o que também facilitou o diagnóstico do problema: depois de algumas visitas às cidades sede, o grupo identificou um padrão de violação de direitos: “Com a desculpa de que os moradores são invasores, as prefeituras ignoram por completo seus direitos. Muitas vezes a comunidade está ali há 10, 20 anos e é sistematicamente assediada pela prefeitura”. Aragão afirma também que a desinformação da população sobre as áreas que serão despejadas e o destino que será dado às comunidades é parte de uma tática das gestões municipais para evitar enfrentamento: “Eu diria que manter a população desinformada é parte da tática, para poder surpreendê-la e não contar com resistência organizada judicialmente inclusive”. Leia:
Por que o grupo foi criado?
O GT foi criado a pedido da sociedade civil e de várias entidades vinculadas ao direito de moradia. Temos no grupo representantes dessas entidades, inclusive. O conselho foi pautado pelos movimentos sociais. Nós visitamos até agora Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Temos duas linhas: impactos de megaeventos e impactos de desastres naturais. Muitas vezes a gente sabe que existem obras públicas que não têm nada a ver com a Copa mas que simplesmente são rotuladas assim para passar por cima de tudo e todos. Simplesmente porque tem um “selinho” da Copa do Mundo. Muitas obras são oportunistas neste sentido.
E o que o senhor já pode dizer sobre essas primeiras visitas?
Nós ainda vamos fazer o relatório oficial e as recomendações, mas o que eu posso antecipar é que os problemas são parecidos em todas as cidades. O principal deles é que as obras são feitas implicando no desalojamento de pessoas que nunca são informadas sobre os projetos, datas, quais são os direitos, o que elas vão ganhar em troca, para onde vão, ou seja: se mantém a população afetada em absoluto desconhecimento. Em alguns casos por desorganização e em outros é parte da tática: manter a população desinformada para poder surpreendê-la e não contar com resistência organizada.
O segundo problema é a deslegitimação dos moradores. Com a desculpa de que são invasores, se ignora por completo o direito deles à moradia. Muitas vezes as comunidades estão a 10, 20 anos no mesmo lugar e são sistematicamente assediadas pela prefeitura. Isso é um padrão nas cidades, de desrespeito aos direitos das pessoas, de recusa de diálogo com a comunidade. É uma coisa assustadora. E apoiado por uma classe média que gosta muito dessas medidas de gentrificação urbana que “tiram o feio” de suas vistas.
O senhor falou sobre algumas obras que nem são para os megaeventos…
Mas levam esse “selinho”. Um exemplo é o VLT de Fortaleza. Eu chamo aquilo de uma obra oportunista. O presidente do Metrofor [Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos S.A] estava muito bravo quando falou com a gente, dizendo que está fazendo um favor ao contribuinte já que a obra está sendo muito barata. Bom, então por que não aproveita e investe nos bairros? Por que expulsa as pessoas de bairros onde elas estão a 40, 50 anos? A gente ouve falar que não se faz omelete sem quebrar ovos, mas o problema é: de quem se quebram os ovos?
Mas essa inciativa da Secretaria de Direitos Humanos é inédita, não?
No Brasil as coisas se fazem para inglês ver e a gente sabe como nossos administradores trabalham. Por isso a gente tem que ter esta cautela. Talvez a situação mais grave que encontramos tenha sido a da Vila Autódromo no Rio de Janeiro, que está titulada pelo Governo do Estado. O Leonel Brizola deu a eles a concessão de uso para fins de moradia pelo prazo de 99 anos, o Estado depois cedeu uma área enorme ao município mas deixou bem claro que deveria respeitar a Vila Autódromo e a prefeitura diz que não tem nenhuma obrigação com aqueles moradores e que vai tirar de qualquer jeito. E diz que a Vila Autódromo polui a lagoa de Jacarepaguá por causa de aterros, só que ao lado tem o Rock’n’Rio, que invadiu mais de 500 metros da lagoa. Mas aterrar a lagoa tudo bem, sobre isso a prefeitura não reclama. Existe inclusive um projeto de revitalização feito pela UFRJ para a Vila Autódromo que poderia ser um cartão de visitas do Brasil ao mostrar a integração social e ambiental com um projeto de dignificação de vulneráveis. Ao invés disso, o prefeito prefere destruir.
Quais são os próximos passos do GT?
Nós paramos as visitas por causa das eleições, para não parecer algo eleitoreiro, e vamos retomar em novembro. Mas já temos dados suficientes para mostrar nossa tese a respeito de várias recomendações que vão ser feitas. Vamos fazer um relatório com recomendações, que vai ser submetido ao ao CDDPH. Aprovado, ele será remetido à Secretaria dos Direitos Humanos para se articular com outros ministérios e os governos federais e municipais para implementar estas recomendações.
E existe uma data?
Queremos entregar essas recomedações até março no máximo. A situação é muito grave, não dá para esperar mais.
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