Acessos

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Porque Itacoatiara é conhecida por ser a cidade da pedra pintada.

Por KARINA PINHEIRO - KARINA.ALVES@AMAZONSAT.COM.BR

O nome Itacoatiara é originário da língua indígena Tupi-Guarani ou nheengatu: itá (pedra) e coatiara (pintado, gravado, escrito, esculpido). Mas por que a cidade amazonense recebeu esse nome?

O município de Itacoatiara, localizado na Região Metropolitana de Manaus, no estado do Amazonas, é considerado o terceiro mais populoso do Estado, com 104.046 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Fundado em 1683 por padres jesuítas, a cidade antes de receber o nome Itacoatiara, era chamada de Velha Serpa.

Os registros de início de povoamento datam do ano de 1655, quando o Padre Antônio Vieira criou a Missão dos Aroaquis na Ilha de Aiibi, próximo da boca do Lago do Arauató.

O núcleo urbano da cidade foi fundado em 8 de setembro de 1683, por padres jesuítas, na calha do Rio Madeira, que depois foi transferida para as margens do Rio Amazonas, onde a cidade de Itacoatiara está localizada.

Anteriormente, o aniversário era comemorado no dia 25 de abril, em alusão à emancipação e reconhecimento como cidade em 1874, entretanto, documentos históricos indicam que a cidade foi fundada no dia 8 de setembro. Em 2020, o então prefeito Antônio Peixoto sancionou a lei n°. 404/2019, reconhecendo como a data da fundação.

O município ganhou este nome, pois na margem da cidade, em período de vazante, foi encontrada uma pedra pintada com uma figura rupestre intrigante. A ponta de pedra possui na face principal desenhos, símbolos religiosos e inscrições em português. Entre elas, contém a palavra 'TROPA', além de uma cruz sobre uma escada e as datas 1744 e 1754, que foram gravadas em ferro e fogo para marcar a passagem de Mendonça Furtado pelo lugar, em 1754, e o sargento-mor Francisco Xavier de Moraes (1700-c. 1788) em 1744, que chefiando uma bandeira, passou pelo local e acabou deixando o seu registro.

A pedra foi removida na década de 1970 e está exposta da praça da cidade, como ponto turístico.

De acordo com o Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), 46 sítios arqueológicos estão registrados no município, divididos nas categorias: Histórico, Pré-colonial e de contato.

Uma tese de mestrado realizado pela pesquisadora e arqueóloga Marta Sara Cavallini, pela Universidade de São Paulo (USP), em 2021, aponta que o sítio Ponta do Jauary mostra não apenas uma, mas várias rochas com figuras gravadas que ficam submersas e aparecem na época de vazante do rio. De acordo com o estudo, a primeira descrição das gravuras de Itacoatiara foi realizada pelo Padre João Daniel, durante a segunda metade do século XVII:

"Nas margens do Amazonas ha ûa paragem, entre Pauxi e a foz do rio Madeira, chamada na língoa dos índios natuares - ita cotiará - que quer dizer pedra pintada ou debuxada [;] venm-lhe o nome de várias figuras e pinturas delineadas naquelas pedras; e pouco mais acima estão estampadas em outras pedras alguas pegadas de gente. O que suposto, discorrem alguns, que tanto uns como outros serãp signaes misteriosos, como as pegadas esculpidas no pavimento do altar, que dissemos no Rio Xingu; porque não parecem feitas por engenho da arte. Outros porém concedendo a causal, dizem, que estas podem ser por causa natural, que pode ser, que passando por ali algum curioso índio, quando ainda aquelas pedras estivessem barro brando. debuxaria por divertimento as taes pinturas e figuras; e pela mesma razão de brandas, passando por cima das outras, deixaria estampadas nelas os pés, e ao depoes fazendo-se pelo decurso dos tempos aqueles barros petrefactos, conservam as mesmas figuras. "(Daniel, 1976:61-62)

O sítio arqueológico é caracterizado como um sítio de arte rupestre a céu aberto na beira do rio e possui além de símbolos, o registro de rostos humanos "picoteados". O local fica à margem da cidade, no porto de Itacoatiara, no bairro Jauary.
Foto: Reprodução / Tese de Mestrado da Marta Sara Cavallini

Além deste sítio arqueológico, existem mais outros dois localizados em Itacoatiara que são registrados como concentração de arte rupestre: Sítio Sangáua II e o Sítio São José da Enseada.

De acordo com a tese, no rio que banha a região de Itacoatiara, estudos apontam que essas figuras rupestres tenham sido feitas dentro do milênio depois de Cristo (d.C.), sendo relacionado à ocupação indígena do período pré-colonial tardio.

"No baixo rio Urubu, estudos sugerem a data de 2.000 AP para o surgimento dos primeiros assentamentos sedentários associados à fase Itacoatiara e o começo da parábola de incremento demográfico que teria seu ápice em torno do ano 1.000 d.C. Em tal época, o aumento da interação entre grupos indígenas teria levado à formação de comportamentos territorialistas, possivelmente representados na relação entre a variabilidade formal e a homogeneidade temática do registro rupestre." (CAVALLINI, Sara Marta. 2014. p.200)

Fontes de referências:

CAVALLINI, Marta Sara. As gravuras rupestres da bacia do baixo rio Urubu: levantamento e análise gráfica do sítio Caretas, Itacoatiara - Estado do Amazonas. Uma proposta de contextualização. 2014. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. doi:10.11606/D.71.2014.tde-21102014-161559. Acesso em: 2022-04-25.

SILVA, Francisco Gomes da. Fundação de Itacoatiara (1º volume da Trilogia Itacoatiara 330 anos) - 2ª edição revista e ampliada. Manaus: Governo do Estado do Amazonas - Secretaria de Estado de Cultura, 2017.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Ufam concede primeiro título de doutorado a uma mulher indígena.


Além de ser a primeira mulher indígena a obter o título de doutorado pela Ufam, a professora Alva Rosa Lana Vieira, da terra indígena do Alto Rio Negro de São Gabriel da Cachoeira, é a primeira doutora em Educação do povo Tukano.

Ao defender a tese intitulada “Política dos territórios etnoeducacionais no Amazonas: perspectiva para efetivação da Educação Escolar Indígena”, a professora Alva Rosa Lana Vieira tornou-se a primeira doutora indígena em educação pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

A defesa foi realizada no último dia 30 de janeiro, na Casa dos Saberes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), em São Gabriel da Cachoeira, município amazonense considerado o de maior predominância de indígenas no Brasil.

Território indígena na Universidade

A doutora em Educação, que é liderança do povo Tukano, afirma que seu trabalho aponta a necessidade de se elaborar urgentemente uma efetiva política de Educação Escolar Indígena no Amazonas.

"Há mulheres indígenas no Amazonas que obtiveram o título de doutorado em Universidades de outras partes do Brasil, mas ter o título de doutorado em Educação pela Ufam significa marcar território indígena na universidade, significa mostrar que nós, indígenas, existimos, somos resistentes, mesmo com toda política anti-indígena sofrida nos últimos quatro anos do governo federal", afirma Rosa.

Ela lembra que cursou o doutorado no mandato de Jair Bolsonaro (PL), denunciado na Justiça brasileira e na ONU pelo descaso e omissão com os povos indígenas. "Acompanhei de perto todo o desmonte dos direitos indígenas em todos os âmbitos, especialmente, no que tange à política de Educação Escolar Indígena no MEC. Minha pesquisa faz um raio-x da Educação Escolar Indígena nos nove (09) Territórios Etnoeducacionais do Amazonas e apresenta a necessidade de se pensar, urgentemente, em uma política, de fato, de Educação Escolar Indígena no Amazonas", explica.

Segundo a professora, o resultado da política de desmonte da Educação Escolar Indígena da gestão Bolsonaro atingiu, diretamente, as escolas indígenas. Sua tese, afirma ela, ao mesmo tempo em que é uma proposta teórica apresentada para obtenção de um título, aponta as ações práticas que devem ser adotadas para que a Educação Escolar Indígena seja implementada.

"Como lutadora e defensora da causa de Educação Escolar Indígena, estarei ajudando na discussão da construção dessa política, de fato, junto aos povos indígenas, no movimento indígena e também como professora indígena”, declarou ela.

Compromisso com a formação

Ao cumprimentar a professora Alva Rosa pela conquista do título e os profissionais e departamentos da Ufam que viabilizaram a formação, o reitor da Ufam, professor Sylvio Puga, anunciou que no próximo mês de março iniciam as aulas da primeira turma de mestrado em Sociedade e Cultura no município de São Gabriel da Cachoeira.

"Parabéns à professora Alva Rosa Lana Vieira, primeira mulher indígena a receber o título de doutorado em Educação pela Ufam; à professora doutora Valéria Weigel, pela orientação, e ao PPGE/Faced, pela formação. No mês de março, iniciaremos a primeira turma de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura no município de São Gabriel da Cachoeira, o que demonstra o compromisso da instituição com a formação indígena no campo da pós-graduação", informou Puga.

Marco histórico

A pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação da Ufam, professora Selma Baçal, classificou a diplomação da professora Alva Rosa como um marco histórico resultante da política institucional da Ufam voltada aos povos indígenas. "Para a Ufam, a titulação da nossa mais recente doutora, a indígena Alva Vieira, é um marco histórico. Ela é a primeira doutora em Educação do povo Tukano e a primeira doutora indígena formada pela Ufam. Estamos muito alegres porque isso faz parte de uma política institucional que a Propesp vem desenvolvendo para intensificar a participação das comunidades indígenas nas mais diversas esferas de formação, especialmente nos níveis de mestrado e doutorado, o que é muito importante para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nas próprias comunidades indígenas", declarou a gestora da Propesp.

Banca examinadora

A banca de avaliação do trabalho foi presidida pela professora Valeria Weigel, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas. Além dela, compuseram a banca de avaliação do trabalho da professora Alva Rosa os professores indígenas Edilson Martins Melgueiro Baniwa (Ifam/SGC) e Gersen José dos Santos Luciano Baniwa (UnB) e as professoras Jonise Nunes Santos (Ufam), Célia Aparecida Bettiol (UEA), Eulina Maria Nogueira (Ufam) e Arminda Rachel Botelho (Ufam).

Fonte: UFAM.