Relatório de 1968, supostamente desaparecido, relata extermínio de aldeias inteiras, envenenamentos, torturas e assassinatos praticados pelo próprio Estado. Violações denunciadas no Relatório Figueiredo ainda são desconhecidas. Expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros investigando violações de direitos humanos em 130 postos indígenas. Foram recuperadas mais de 7 mil páginas do documento.
Documento dado como desaparecido durante mais de 40 anos retrata realidade da década de 1960
Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas em todo o país principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.
Em uma das inúmeras passagens brutais e revoltantes do texto, a que o Estado de Minas/Correio teve acesso com exclusividade, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado tronco , é descrito da seguinte maneira: Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente.
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Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina – um veneno –, o texto, redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia, mostra a ação genocida e impune do Estado brasileiro. o relatório ressuscita incontáveis atrocidades e poderia se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que deveria apurar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, mas que, em conluio com o governo FMI-Dilma, segue tentando ocultar os crimes do regime militar.
A investigação, feita em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, em 1967, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e a bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.
Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que fora constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais importantes como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano, o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime mais rígido.
Impunidade
O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento. Ele afirma que, antes de ser achado, o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que estão possivelmente envolvidos nas denúncias. “Já tem gente tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.
“É espantoso que exista na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça”, lamentava Figueiredo em uma das páginas recuperadas por Zelic. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação, sem que o SPI opusesse qualquer reação”.
Um dos trechos mais dramáticas descritos pelo procurador Jader de Figueiredo Correia em 1968 é a que narra sua passagem por Guarita, no Rio Grande do Sul, área da 7ª Inspetoria do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), quando ele se deparou com duas crianças indígenas em péssimo estado de saúde. “Em Guarita (IR-7-RGS), seguindo uma família que se escondia, fomos encontrar duas criancinhas sob uma moita tendo as cabecinhas quase completamente apodrecidas de horrorosos tumores, provocados pelo berne, parasita bovino”, ele escreveu no documento que entraria para a história com seu nome: Relatório Figueiredo. Sua expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros investigando violações de direitos humanos em 130 postos indígenas.
O relatório por ele elaborado, desaparecido por 45 anos, foi encontrado em caixas guardadas no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Matéria publicada ontem pelo Estado de Minas/Correio mostrou como um pesquisador de São Paulo se deparou com a papelada produzida pela investigação feita a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, que, até então, acreditava-se que houvesse sido destruída em um incêndio no Ministério da Agricultura.
Foram recuperadas mais de 7 mil páginas do documento, produto da expedição comandada por Figueiredo, incluindo as 62 páginas pertencentes ao relatório final, entregue a Albuquerque Lima em 1968. Os únicos registros remanescentes eram reportagens feitas a partir de uma entrevista concedida pelo procurador em março daquele ano, com repercussão internacional.
Documentos relatam massacres, torturas, invasões de terras e outras agressões ocorridas nos anos 1960
Passados 50 anos de uma batalha sangrenta entre fazendeiros locais e índios Kadweus do sul de Mato Grosso, uma pergunta inquietante ressuscita com o recém-redescoberto Relatório Figueiredo, que apurou em 1968 chacinas de tribos e torturas em índios de todo o país. O que aconteceu? Documento produzido pela Associação de Criadores de Sul de Mato Grosso em 5 de janeiro de 1963 e anexado à extensa investigação feita pelo procurador Jader de Figueiredo para o Ministério do Interior relata pedido do mais famoso líder da repressão do Estado Novo de Getúlio Vargas, o então senador Filinto Muller, que rogava para que o general comandante da 9ª Região Militar fosse informado do conflito armado. Muller afirmou que trataria pessoalmente da situação com a direção do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), reportadamente suspeito, segundo Figueiredo em seu relatório, revelado pelo Estado de Minas/Correio.
As terras do povo Kadweus, 374 mil hectares em um local chamado Nabileque, foram usurpadas, deles, assim como ocorreu com áreas de diversas outras tribos. Segundo aponta o inquérito de 7 mil páginas que era tido como desaparecido em um incêndio no Ministério da Agricultura, os terrenos foram dados a eles por dom Pedro II, pela participação decisiva que tiveram na Guerra do Paraguai. No entanto, ele diz em outro trecho do texto, elas foram invadidas por poderosos fazendeiros e é muito difícil retirá-los um dia .
Fonte: jornal Estado de Minas e Correio Braziliense