A Polícia Civil de São Paulo invadiu na manhã desta sexta-feira 4 a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Guararema, no interior de São Paulo.
Uma das lideranças do movimento, Gilmar Mauro estava no local no momento da chegada dos agentes. Segundo ele, dez viaturas da Polícia Civil chegaram à escola sem estarem acompanhadas de um oficial de Justiça. "Os policiais apresentaram em um celular um mandado de prisão de uma mulher, mas ela não se encontrava no local, era do Paraná."
Em seguida, diz Mauro, agentes entraram na escola e dispararam três vezes contra o chão. "O solo ali tem muitas pedras, [a bala] poderia ter ricocheteado em alguém. Criou um alvoroço muito grande, pois há uma creche ao lado da escola."
De acordo com a liderança do MST, a invasão policial deixou dois feridos. Um deles teve uma costela quebrada. Dois integrantes foram detidos. "Estamos vivendo um Estado de exceção", afirma. "Basta ver a virulência como eles estão lidando com as ocupações nas escolas".
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirma que "cerca de 200 pessoas que estavam presentes tentaram desarmar os agentes" - que portavam fuzis e escopetas -, deixando quatro deles feridos. A SSP não cedeu qualquer imagem desse momento. De acordo com Gilmar Mauro, a versão é fantasiosa.
"Não houve qualquer tentativa de desarmar policiais. As pessoas se concentraram no portão para exigir que apresentassem o mandado. Um policial se machucou ao pular o muro. As imagens do circuito de segurança são muito claras, falam por si", afirma Mauro.
A SSP informou, ainda, que a Polícia Civil de Mogi das Cruzes recebeu da Polícia Civil do Paraná solicitação de ajuda para cumprir um mandado de prisão na cidade de Guararema, pois a mulher procurada estaria na escola Florestan Fernandes. A operação faz parte de uma ação integrada entre as polícias dos dois Estados.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) se manifestou contra o ocorrido e falou que o Brasil vive uma "escalada autoritária". "Não dá mais para falar que a gente está vivendo um Estado Democrático de Direito. Está claro que estamos vivendo um novo estado de exceção", disse.
O cantor e compositor Lirinha, que integrava o grupo Cordel do Fogo Encantado, estava na escola no momento da invasão e gravou um depoimento. "[Esta é] mais uma prova de que estamos em um estado de suspeição da democracia. Eu estou agora dentro da escola nacional Florestan Fernandes, vim participar de uma palestra sobre cultura popular, e no meio da palestra escutamos tiros", disse.
O ator Wagner Moura também gravou um vídeo manifestando "repúdio" à ação. "Se alguém tinha dúvidas de que o Brasil vive um estado de exceção, um estado policialesco, a invasão da escola Florestan Fernandes pela polícia é uma demonstração covarde de truculência, típica de um estado de exceção", disse Moura.
Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Civil paranaense, a Operação Castra foi deflagrada para prender integrantes de uma organização criminosa suspeita de furto e dano qualificado, roubo, invasão de propriedade, cárcere privado, lesão corporal, porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal.
Ainda segundo a corporação, o alvo da operação são integrantes do MST, entre eles um vereador eleito em 2016 e um dirigente nacional do movimento - os nomes não foram divulgados. A investigação teria começado em março, em Cascavel (PR), após a invasão da fazenda Dona Hilda, em Quedas do Iguaçu (PR), quando empregados da propriedade foram mantidos em cárcere privado sob a mira de armas de fogo, diz a Polícia Civil.
O dono da propriedade teria relatado o sumiço de cerca de 1.300 cabeças de gado e um prejuízo de 5 milhões de reais. A investigação teria apontado que parte desses animais foi vendida por integrantes do MST.
"Criminalização de movimentos"
Em nota, o MST critica a "criminalização" dos movimentos sociais. Leia a íntegra da nota:
"Mais uma vez o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é vítima da criminalização por parte do aparato repressor do Estado Paranaense. A ação violenta batizada de “Castra” aconteceu na nessa sexta-feira (04/11/2016), no Paraná, em Quedas do Iguaçu; Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul; também em São Paulo e Mato Grosso do Sul.
O objetivo da operação é prender e criminalizar as lideranças dos Acampamentos Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Luta pela Terra, militantes assentados da região central do Paraná. Até o momento foram presos seis lideranças e estão a caça de outros trabalhadores, sob diversas acusações, inclusive organização criminosa.
Desde maio de 2014 aproximadamente 3 mil famílias acampadas, ocupam áreas griladas pela empresa Araupel. Essas áreas foram griladas e por isso declaradas pela Justiça Federal terras públicas, pertencentes à União que devem ser destinadas para a Reforma Agrária.
A empresa Araupel que se constitui em um poderoso império econômico e político, utilizando da grilagem de terras públicas, do uso constante da violência contra trabalhadores rurais e posseiros, muitas vezes atua em conluio com o aparato policial civil e militar, e tendo inclusive financiado campanhas políticas de autoridades públicas, tal como o chefe da Casa Civil do Governo Beto Richa, Valdir Rossoni.
Lembramos que essa ação faz parte da continuidade do processo histórico de perseguição e violência que o MST vem sofrendo em vários Estados e no Paraná. No dia 07 de abril de 2016, nas terras griladas pela Araupel, as famílias organizadas no Acampamento Dom Tomas Balduíno foram vítimas de uma emboscada realizada pela Policia Militar e por seguranças contratados pela Araupel. No ataque, onde foram disparados mais de 120 tiros, ocorreu a execução de Vilmar Bordim e Leomar Orback, e inúmeros feridos a bala. Nesse mesmo latifúndio em 1997 pistoleiros da Araupel assassinaram em outra embosca dois trabalhadores Sem Terra. Ambos os casos permanecem impunes.
Denunciamos a escalada da repressão contra a luta pela terra, onde predominam os interesses do agronegócio associado a violência do Estado de Exceção.
Lembramos que sempre atuamos de forma organizada e pacifica para que a Reforma Agrária avance. Reivindicamos que a terra cumpra a sua função social e que seja destinada para o assentamento das 10 mil famílias acampadas no Paraná.
Seguimos lutando pelos nossos direitos e nos somamos aos que lutam por educação, saúde, moradia, e mais direitos e mais democracia."
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