O dia 15 de maio trouxe boas novas para quem luta por memória, verdade e justiça no Brasil. No Rio de Janeiro, a justiça federal acatou a denúncia do Ministério Público Federal contra militares envolvidos no atentado ao Riocentro (1982). Em São Paulo, a ministra Ideli Salvatti, dos Direitos Humanos, desembarcou com notícias concretas para os familiares de vítimas da Ditadura Militar, no que diz respeito às investigações sobre os restos mortais de mais de 1.000 pessoas não identificadas, encontrados em 1990 numa vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, na capital paulista.
A ministra informou, em reunião realizada no Gabinete Regional da Presidência da República em São Paulo, que alocou uma verba de R$ 900 mil, disponível na própria pasta, para pagar os peritos brasileiros até o final de 2014, e obteve com o Ministério da Educação outro R$ 1,5 milhão, que serão destinados a despesas como aluguel, reforma e manutenção do local onde as ossadas serão examinadas. Quanto aos peritos estrangeiros, serão remunerados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O edital de contratação dos peritos brasileiros tinha publicação prevista para 22/5, segundo a ministra. Até o momento, estes profissionais vinham trabalhando de maneira informal. Sua contratação, bem como a dos peritos estrangeiros, é indispensável para o sucesso do trabalho de identificação. A ministra declarou que resolver o passivo da Vala de Perus é a prioridade de sua gestão, tendo em vista o curto horizonte de tempo de que dispõe (dezembro de 2014).
Participaram da reunião com a ministra o Comitê Paulista por Memória, Verdade e Justiça (CPMVJ), Grupo Tortura Nunca Mais, Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” e o Ministério Público Federal, representado pela procuradora Eugênia Gonzaga.
Os trabalhos serão sediados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ao invés do Instituto Médico-Legal (IML), que chegou a ser procurado pelo governo com esta finalidade, apesar das objeções dos familiares. Como as tratativas com o IML não avançaram, e a Unifesp decidiu-se a colaborar depois que o MEC concordou em financiar os custos, caberá a ela responder institucionalmente pelo projeto, que resultará na criação de um Centro de Antropologia Forense.
“Foram dados passos muitos firmes e decisivos”, disse a reitora da Unifesp, Soraya Smaili, fazendo referência à questão da Vala de Perus. “Sentimos uma mudança de patamar após a sua posse”, afirmou, dirigindo-se à ministra. A reitora informou que o projeto do Centro de Antropologia Forense foi entregue ao MEC na véspera da reunião, e que os recursos serão garantidos no Orçamento da União. Soraya garantiu que os familiares serão consultados em todas as etapas, e farão parte do Conselho Gestor. Outro protagonista importante do projeto é a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, representada na reunião de 15 de maio pelo secretário Rogério Sottili.
Retrospecto
Até este momento, vinha sendo notório o descaso do Estado brasileiro com relação à vala clandestina de Perus, onde foram despejados corpos de vítimas dos esquadrões da morte, de pessoas tidas como indigentes e também, estima-se, de mais de vinte militantes de esquerda torturados e executados pela Ditadura.
Mesmo após a realização de uma CPI da Câmara Municipal de São Paulo, apoiada pela então prefeita Luiza Erundina, os governos estadual e federal omitiram-se na apuração dos fatos. Por iniciativa da Prefeitura, as ossadas foram remetidas à Unicamp, em 1991, para os trabalhos de identificação, após a realização de um convênio. Mas lá, confiadas ao legista Badan Palhares, um aliado do regime militar, as ossadas foram simplesmente relegadas ao abandono.
Já se sabe que alguns opositores do regime, enterrados no Cemitério Dom Bosco com nomes falsos por ordem dos órgãos de repressão, foram depois localizados pelas respectivas famílias. Foram estes os casos de Alex de Paula Xavier Pereira, Gelson Reicher, Luis Eurico Tejera Lisboa e Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar.
Impunidade
Na reunião com a ministra, a palavra foi aberta ao plenário. Ivan Seixas, ex-preso político e filho de Joaquim Seixas, militante assassinado pela Ditadura, elogiou a ministra Ideli Salvatti (“Você fez acontecer”) e criticou a antiga ocupante da pasta, Maria do Rosário, por não avançar na questão de Perus. Seixas lembrou que o Brasil vem descumprindo as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no tocante aos guerrilheiros executados pelas Forças Armadas no Araguaia. Sobre o Comitê Gestor, defendeu que tem de ser instalado imediatamente.
Denise Fon, do CPMVJ, defendeu a realização de reuniões periódicas, para que os familiares e grupos de direitos humanos possam acompanhar o andamento do projeto.
Pedro Pomar, neto de Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar e membro do CPMVJ, saudou as novidades trazidas pela ministra, mas lembrou que o governo brasileiro precisa mudar de posição em relação à Lei da Anistia, rompendo o que chamou de “pacto de impunidade”. Disse que não faz sentido o Brasil atuar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, chegando a fazer campanha para eleger o ex-ministro Paulo Vannucchi membro deste colegiado, e não reconhecer as decisões da CIDH, que integra o sistema. A CIDH condenou o Brasil a anular a Lei da Anistia e processar legalmente os agentes da Ditadura Militar implicados em torturas, execuções e outros crimes.
A ministra Ideli afirmou que o Comitê Gestor será instalado até o final de maio. Quanto à anistia, comprometeu-se em transmitir a posição dos familiares à presidenta Dilma Rousseff.
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