MPF informou à Comissão da Verdade violência contra índios Tenharim e Jiahui na obra da Transamazônica.
POR ROSIENE CARVALHO
Foto: Luiz Vasconcelos |
Procurador Júlio Araújo Júnior explica que inquérito foi aberto para apontar causas da redução das duas populações.
O Ministério Público Federal (MPF) enviou à Comissão Nacional da Verdade um relatório com fatos narrados por lideranças dos povos indígenas Tenharim e Jiahui de grave violação aos direitos humanos na década de 70 à população das duas etnias, durante a construção da Rodovia Transamazônica (BR-230).
É a segunda notícia de violação aos direitos humanos indígenas no período militar no Amazonas que a Comissão da Verdade receberá. A primeira é sobre o massacre de cerca de 2 mil waimiri-atroari durante a construção da BR-174, entre 1972 e 1975, também no período em que o País era governado pelos militares. A denúncia é que os indígenas sumiram sem vestígios durante o período da construção da BR-174 porque representavam um empecilho para o desenvolvimento.
A denúncia sobre os Tenharim e Jiahui, que vivem no Sul do Amazonas, em área fora da sede do Município de Humaitá, partiu das próprias lideranças durante uma reunião no dia 10 deste mês com representantes do MPF, em Manaus. A redução da população das etnias foi relatada ao procurador da República Julio José Araujo Junior pelo indígena Nilcélio Jiahui. Ele afirmou que, na ocasião da construção da BR-230, mais de 900 pessoas morreram. A maioria foi acometida por doenças devido ao contato dos indígenas com outras populações.
Inquéritos no MPF
Os dois casos (da BR-174 e BR-230) são investigados pelo MPF, no Amazonas, por meio de inquéritos civis públicos. De acordo com o procurador da República Julio José Araujo Junior, o inquérito foi aberto para se investigar o que de fato ocorreu durante a construção da rodovia que possa ter implicado na redução das duas populações indígenas. “Não se sabe ao certo como se deu e não há documentação inicial por isso a necessidade de apuração”, declarou.
O procurador disse que não se tem, neste momento, informação de que no caso dos Tenharim e Jiahui haja registro de violência física. Ele esclareceu que se os dois povos sofreram prejuízos por desrespeito às suas condições socio-culturais também tiveram seus direitos humanos violados.
Audiência ocorrerá em junho
Os povos indígenas Waimiri-atroari, Tenharim e Jiahui serão ouvidos pela Comissão da Verdade e pelo Ministério Público Federal sobre a violação aos direitos humanos sofridos durante a Ditadura Militar no mês de junho.
De acordo com procurador da República Julio José Araujo Junior, representantes do MPF irão em junho às localidades onde vivem os Tenharim e os Jiahui para colher depoimentos sobre os fatos ocorridos durante a construção da BR-230.
O procurador esclareceu que o trabalho do MPF e da Comissão da Verdade são independentes e autônomos. “Mas nada impede que se troquem informações”, declarou.
O coordenador do comitê estadual do Direito à Verdade e à Memória, Egydio Schwade, que esteve nesta segunda-feira (29) em reunião em Brasília, disse que representantes da Comissão da Verdade irão às terras indígenas Waimiri-atroari, em Presidente Figueiredo, para ouvi-los.
Relatório do SPI aponta escravidão
A Comissão Nacional da Verdade recebeu, na semana passada, outra denúncia de violação aos direitos humanos dos indígenas no Mato Grosso constatadas a partir de um documento histórico do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
O órgão foi criado em 1910 para defender os interesses dos indígenas e protegê-los como indicava o nome e foi extinto e substituído pela Funai em 1967.
Um relatório de mais de 7 mil páginas foi encontrado no Museu do Índio (RJ), em novembro do ano passado, pelo pesquisador Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo.
No documento, que reapareceu 45 anos depois, há um relatório detalhado de atos de corrupção, escravidão e tortura de indígenas em todo o País praticados por funcionários do órgão nos anos de 1940, 50 e 60.
O relatório foi feito pelo procurador Jader Figueiredo do extinto Ministério do Interior e ficou conhecido como “Relatório Figueiredo”. Numa das descrições, Figueiredo escreveu que o chefe da 6ª inspetoria da SPI no Mato Grosso, Flávio de Abreu, além de escravizar indígenas, “entregou a índia bororo de nome Rosa (11 anos) ao indivíduo por nome Seabra, em paga do trabalho de Seabra na confecção de um fogão de barro”.
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