Por meio de uma iniciativa inédita no Brasil, cujos governos civis não quiseram investigar o Plano Condor, a presidenta Dilma Rousseff resolveu tomar a iniciativa no assunto, através de suas principais colaboradoras na área, a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e Rosa Cardoso, que foi sua advogada nos anos da resistência à ditadura e integra hoje a Comissão Nacional da Verdade. A Carta Maior falou com ambas neste sábado (4) sobre as investigações envolvendo a morte do ex-presidente João Goulart.
Por Darío Pignotii (@DarioPignotti)
Depois das evidências sobre o envenenamento do ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva, em 1982, e das suspeitas sobre outro assassinato bioquímico que pode ter matado o poeta comunista Pablo Neruda, em 1973, logo após a derrubada de Salvador Allende, o governo brasileiro decidiu apoiar, politicamente, a exumação do ex-presidente João Goulart, falecido há 27 anos na Argentina, aparentemente após ingerir uma pílula cuja procedência está sob suspeita. Está provado que o ex-presidente deposto em 1964 esteve na mira no Plano Condor, do qual a ditadura brasileira foi uma peça crucial, e a menos investigada da região até aqui, talvez porque Emilio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel fossem os generais de maior confiança de Henry Kissinger, o verdadeiro fiador da caçada multinacional.
Por meio de uma iniciativa inédita no Brasil, cujos governos civis não quiseram investigar o Plano Condor, a presidenta Dilma Rousseff resolveu tomar a iniciativa no assunto, através de suas principais colaboradoras na área, a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e Rosa Cardoso, que foi sua advogada nos anos da resistência à ditadura e integra hoje a Comissão Nacional da Verdade. A Carta Maior falou com ambas neste sábado (4).
Goulart morreu no dia 6 de dezembro de 1976 na província argentina de Corrientes e as primeiras suspeitas sobre a causa do falecimento surgiram no dia 7, quando o regime de Ernesto Geisel autorizou o ingresso do corpo no Brasil sob a condição de que não fosse realizada uma autópsia.
Ministra Maria do Rosário, quais são as probabilidades de se descobrir vestígios tóxicos em um cadáver antigo?
Já se passaram tantos anos que talvez agora a perícia não consiga chegar a uma demonstração conclusiva de que ele foi envenenado. Mas a exumação é só uma parte de nosso trabalho de buscar a verdade sobre o que ocorreu.
Depois de muita investigação da Comissão da Verdade e da família do ex-presidente Goulart, estamos convencidos de que a perseguição que se fez contra ele durante tantos anos demonstram claramente que havia a decisão de ataca-lo da forma mais vil por partes das ditaduras que atuavam associadas. Ele era um alvo dessas ditaduras que estavam associadas na ideia de eliminá-lo.
Se a pesquisa não obtiver resultados isso pode dar argumentos aqueles que boicotam a investigação do passado?
Não creio que seja assim, porque temos informações muito consistentes que nos permitirão seguir outras pistas. Há uma determinação de trabalhar para que este caso seja esclarecido. A presidenta Dilma solicitou a mim e a Comissão da Verdade, que está realizando um trabalho muito importante, que avancemos tudo o que for possível com o caso João Goulart e com todos os outros casos de vítimas do Condor. Estamos investigando há tempo a perseguição que o presidente Goulart sofreu durante seu longo exílio no Uruguai, na Argentina e em outros países. Além de ter sido deposto pelo golpe de 1964, ele foi seguido quase que cotidianamente por agentes brasileiros articulados com os serviços de inteligência dos demais países do Cone Sul. Nós já temos isso muito bem documentado.
A intoxicação de Frei e a exumação de Neruda reforçaram a pista do envenenamento?
As experiências de crimes ocorridos em outros países como o Chile, com estes dois casos que você está citando, nos fazem reforçar nossa pesquisa sobre o que aconteceu com João Goulart. O certo é que houve, em geral, uma perseguição implacável e ataques aos dirigentes e presidentes como foi o caso do próprio presidente Salvador Allende.
A presidenta Dilma viajará este ano a Washington. Ela pedirá que Obama libere documentos secretos?
Temos buscado e obtido muitos documentos e acreditamos que sempre deve haver colaboração entre nações democráticas.
A entrevista concedida por Maria do Rosário à Carta Maior já é, em si mesma, uma confirmação de que Dilma Rousseff recomendou a sua ministra de Direitos Humanos para que se envolvesse plenamente na reconstrução da odisseia vivida por Goulart e seu eventual assassinato, além das possíveis tentativas fracassadas. Um dado político nada desprezível.
A família de Jango, que assumiu a pesada tarefa de investigar o caso solitariamente durante anos, apoia a tese de que o plano para eliminá-lo foi urdido com a participação direta do escritório da CIA no Uruguai, para onde teria sido enviado o repressor brasileiro Sergio Paranhos Fleury. Além de algumas evidências e documentos, os herdeiros do ex-presidente citam, para sustentar a ideia do envenenamento, o testemunho do ex-membro do serviço de inteligência uruguaio, Mario Neira Barreiro, atualmente encarcerado em um presídio de segurança máxima em Charqueadas, Rio Grande do Sul, que declarou ter sido parte da operação pela qual teriam sido colocadas pílulas letais entre os medicamentos de Goulart.
A advogada Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade, conversou no sábado com a Carta Maior, sobre o relato do uruguaio com quem conversou há alguns meses.
Você atribui credibilidade às declarações do ex-agente?
Todos temos nossas reservas sobre Neira Barreiro, é verdade, mas considero que uma parte do que nos disse pode ser verdadeira e, além disso, coincide em alguns pontos com o que a família Goulart já descobriu e com o que nós levantamentos na investigação que estamos realizando.
Você acredita que Goulart foi assassinado?
Essa é uma possibilidade que tem que ser ponderada. Não podemos assegurar nada até investigar mais e a exumação pode aportar algo ou não, porque o estado de decomposição pode ser muito avançado. Exumar o corpo e fazer a pesquisa é um trabalho que demora um longo tempo, temos que ser pacientes.
Convidaram a equipe de antropologia forense argentina para acompanhar esse trabalho?
Certamente o faremos, assim como também outros especialistas internacionais.
Goulart e Perón vigiados
Nascido formalmente em 1975, o Plano Condor já atuava como rede de espionagem multinacional, sem levar esse nome de rapina, desde alguns anos, e uma de suas presas mais cobiçadas era João Goulart, informado papéis secretos encontrados por Carta Maior. Um desses documentos, com detalhes de uma conversa entre Goulart e o ex-presidente argentino Juan Perón, em 1973, traz o rótulo de “secreto” e o selo do Serviço Nacional de Informações brasileiro (SNI) e do CIEX, o aparato de inteligência montado na época pelo Itamaraty. Outros relatos mencionam que a Argentina de 1973 era uma plataforma de articulação política para o ex-mandatário “populista”.
“Estes documentos do período em que Goulart era perseguido e espionado na Argentina, dos quais você me fala, mostram que houve um plano perverso contra os democratas e aqueles que ameaçavam a permanência da ditadura”, observa a ministra Maria do Rosário.
Setores do governo brasileiro sustentam a hipótese de que Goulart era um moderado capaz de encabeçar uma coalizão pela restituição democrática, representando uma ameaça ao modelo de transição vigiada concebido, e finalmente aplicado, por Ernesto Geisel. Goulart e Juscelino Kubitscek, outro ex-presidente falecido em um acidente nebuloso em 1976, assim como o chileno Orlando Letelier, assassinado no mesmo ano, poderiam se fortalecer com a vitória do democrata Jimmy Carter.
O Plano Condor via com horror o retorno de líderes apoiados por Washington, como conta em uma correspondência de agosto de 1976, descoberta há 20 anos, enviada pelo então chefe da DINA chilena, Manuel Contreras, a seu colega na época, João Batista Figueiredo, depois promovido a presidente de fato.
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