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sábado, 20 de abril de 2013

Vítimas da ditadura terão assistência psicológica

Vinte oito anos depois de oficialmente encerrada a ditadura militar brasileira, as vítimas da violência do estado receberão apoio psicológico para que possam superar traumas e tornar público seu testemunho sobre os anos de horror impostos pelo período de exceção no país. O projeto Clínicas de testemunho foi lançado esta semana pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. No Rio, o trabalho, orçado em R$ 400 mil, deverá atender 200 pessoas que serão tratadas pelo grupo Projetos terapêuticos do Rio.

Segundo o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, as clínicas do testemunho se propõem a incluir o trabalho clínico no seu programa de reparação Marcas da memória, que já abrange a compensação econômica e o ato de reparação moral, que é o pedido de desculpas do Estado.

— O projeto reconhece que o dano é atravessa gerações, e busca reparar não apenas os atingidos diretamente, mas também aqueles outros que sofreram sequelas do autoritarismo, como filhos, pais e companheiros — afirmou Paulo Abrão.

Segundo ele, o trabalho servirá ainda para a criação de políticas públicas que atendam vítimas atuais de violência do estado:

— As clínicas oferecerão capacitações para lidar com as violências estatais atuais.

Clínicas darão subsídios para novas políticas públicas

Coordenadora do Clínicas de testemunho no Rio, a psicóloga Vera Vital Brasil explicou que, além do tratamento clínico aos afetados pela violência do estado, o grupo auxiliará aqueles que quiserem testemunhar, trabalhará na criação de um centro de memória e irá coletar nos próximos dois anos subsídios para a criação de políticas públicas:

— A tortura silencia as pessoas. Os traumas são permanentes. Por isto o testemunho, a divulgação dessas violências, tornando coletiva aquela experiência individual, é muito importante. O reconhecimento social ajuda a dar algum sentido ao que essas passaram — afirmou Vera.

Segundo o psiquiatra Eduardo Losicer, que participa do projeto no Rio, um dos objetivos é coletar subsídios que permitam a criação de uma lei que assegure a reparação a vítimas de violência de qualquer agente de estado, e também de uma nova cultura que garanta o fim da prática de tortura no Brasil:

— Nossa tarefa é a divulgação de tudo que aconteceu, restituindo a verdade. São casos especiais. A violência de estado tem uma característica diferente, cujo tratamento inclui uma ação coletiva, do estado e da sociedade. Não há uma cura individual. A sociedade precisa ter contato com essa verdade, precisa reconhecer para então realizar mudanças que garantam que isto nunca mais aconteça.

Segundo o médico, que também trabalha no atendimento a comunidades que sofrem com a violência policial, existem muitas semelhanças entre a violência do regime de exceção e a vivida hoje por vítimas de policiais.

— Essas práticas ainda existem, por isto é tão importante se criar políticas públicas que garantam o fim dessa violência e a reparação do estado — explicou o psiquiatra, que há 20 anos participa da Clínica Política, uma organização que durante anos realizou atendimento clínico a vítimas atendidas pelo Grupo Tortura Nunca Mais.

Segundo o Ministério da Justiça, o projeto prevê atender até 702 pessoas (vítimas e parentes), em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. Durante esta semana, foram realizadas três conversas públicas que reuniram aproximadamente 450 pessoas, entre vítimas e profissionais interessados em receber capacitação. Quem tiver interesse em receber atendimento ou ser capacitado para trabalhar no atendimento poderá se inscrever através do site oficial da Comissão.

— A Comissão de Anistia há mais de 10 anos recolhe milhares de testemunhos de dor e violência em suas sessões em Brasília e em caravanas pelo Brasil. O Clínicas do testemunho surge para complementar nosso programa de reparações, que já contemplava as dimensões morais e econômicas, e agora passa também a promover reparação na seara da saúde mental — concluiu o presidente da Comissão, Paulo Abrão.

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